quarta-feira, 16 de abril de 2008

A biblioteca dos sonhos... e pesadelos



Eu sempre pensei que quando vir a morrer, gostaria de entrar no céu, ou seja lá o que for, por uma grande biblioteca mundial, onde todos os autores vivos ou mortos estejam por ali, para o meu deleite pessoal. Foi por tanto tempo que mentalizei como queria essa minha passagem que não posso dizer que estou surpreso agora. Só posso acreditar que chegou a hora. E olha que mentalizei isso sem nenhum livro de auto-ajuda, nem li livros específicos sobre o assunto. Foi sem segredos e sem a magia de magos. Só achei que deveria ser assim e pronto. E parece que assim foi. E agora? Na minha frente essa grande biblioteca mundial de todos os tempos. Um infinito número de corredores cruzando estantes altíssimas e autores circulando suas obras como fêmeas que cuidam de crias recém nascidas. Autores, personagens e parece até que alguns editores, não muitos é claro, eu não iria mentalizar isso. Será que essa biblioteca é só minha ou também serve pra outros leitores inveterados? Nessa minha longa vida de leitor eu sei que não merecia muito; li muita porcaria por vontade própria e fugi de autores consagrados, até mesmo por isso, como sempre fugi da unanimidade (que me disseram que era burra e concordei). Agora, pela vidraça da porta, eu vejo muitas pessoas andando por ali e conversando com todo mundo. Não sei se são leitores ou autores, afinal, quase todo mundo escreveu um livro e entulhou prateleiras com suas grandes idéias. Mas não posso me demorar mais, preciso abrir essa porta e ir adiante. Bastou abri-la e o leve ruído das dobradiças fez com que todos os que estavam ao alcance dos meus olhos se virassem e, em seguida, se olhassem entre eles. Fiquei estático no primeiro passo além da porta, sem saber o que fazer. Havia entre eles uma espécie de ansiedade, uma estupefação mal contida, uma dúvida também do que fazer. Então entendi o que era, quando a Taylor Caldwell falou para Guimarães Rosa:
- É a sua vez...
- Eu? Tem certeza...
- Tenho... caiu você no sorteio, não lembra?
- Mas já faz tanto tempo...
- Ta chovendo é? Sempre que chove, tudo faz tanto tempo...
- Ô Quintana, não devaneia... quer pegar a minha vez e receber o cara?
- Não vem com essa, ô Rosa – vociferou Hermingway. - Fizemos um sorteio e todos concordaram...
- ... mas tem tanto novato querendo fazer isso... só na ala B tem milhares de pessoas aptas a isso...
- Só porque eles pagaram pra publicar não quer dizer que tenham que fazer todo serviço difícil... além do mais, a catalogação ocupa todo o tempo deles – contestou Rosamunde Pilcher.
- Vocês estão fazendo muita confusão, ele é apenas mais um fantasma... um José Arcádio...
- Pare com isso Garcia! Nós já vivemos um realismo mágico sem você forçar a barra. Já não basta o Braz Cubas que vem me procurar toda semana, você quer de volta um Buendia? Não lembra a confusão que ele arrumou com o Raduan Nassar? - protestou Machado de Assis, limpando seu monóculo.
Eu vi que a discussão ia longe e estava ficando encabulado vendo tanta gente boa se preocupando por minha causa. Fui saindo dali encostado na parede e, sem que percebessem, pois a discussão continuava, entrei pelo primeiro corredor que encontrei. Todos que estavam ali também me olharam, mas, ao contrário dos best-sellers anteriores, todos sorriram e vieram juntos ao meu encontro. Demorei um pouco a reconhecer aquele senhor sorridente que me alcançava de mãos estendidas, de cabelos ralos e brancos:
- Sorte é quando a preparação encontra a oportunidade...
Reconheci. Lair Ribeiro! Atrás dele Zíbia Gaspareto, Rhonda Byrne, Shirley Maclaine, Paulo Coelho, e outros tantos. Ai Meu Deus, onde fui cair!!! Eu nunca li Lair Ribeiro, nem mesmo Paulo Coelho (e é claro que me orgulho por isso), nunca li auto-ajuda, mas, como é que vou dizer isso a eles? Só tive uma alternativa, virei as costas e saí correndo, virando o corredor e entrando em outro, onde dou uma trombada de arrebentar no Salman Rushdie, que me gritou uns versos satânicos e logo lembrei do chatíssimo Shalimar, o Equilibrista, que desisti de ler no meio do caminho, mesmo o livro sendo autografado por ele mesmo. Elegantemente ajudei-o a levantar e pedi desculpas, sabia que era um cara bacana. Tentei seguir adiante sem muito atropelo por aquele grande corredor, passando pela Asne Seierstad, Khaled Hosseine, e outros tantos vinculados ao mundo árabe. A impressão que um homem bomba sairia de algum desvão a qualquer momento me fez acelerar de novo o passo. Virei a esquerda e, numa sala confortável que se abria, encontrei Divaldo conversando com Hermínio Miranda, enquanto o Chico psicografava numa mesinha ao lado. Os dois me olharam e acenaram, enquanto pediam silêncio. Saí da sala um pouco mais calmo e fui pra outro corredor, aleatoriamente. Sabia que estavam todos ali, espalhados. Sonhei com isso, esperei por isso, pedi por isso. No final de um corredor encontrei um café requintado e, na primeira mesa, Willy Fog ouvia atentamente Julio Verne, já um pouco passado com um copo de whisky na mão (e eu nunca ouvi falar que ele bebia). Solitário numa mesa o Sr. Holmes assinalava seu jornal com uma caneta de marcação amarela. Espero que não fosse no caderno de empregos. Encostado no balcão, conversando com um barista, estavam Simone Beauvoir e Sartre, envoltos em anéis mágicos da fumaça de seus cigarros. Mais para o canto e sem nenhuma vergonha da sua pouca roupa, Tarzan, tomando de canudinho um suco de acerola e com os olhos fixos no outro lado do balcão. Segui seu olhar e, para me tirar o fôlego, encontrei Gabriela, sorrindo um pouco encabulada, com uma rosa no cabelo. Gabriela! Nossa! Que imaginação! Meu sonho de adolescência. Diante da possibilidade de uma saudosa ereção, saí dali por um corredor sombrio, que me levou diretamente até Mary Stewart, que me sorriu. Quis conversar com ela, precisava conversar com ela, mas logo o Zafón me pegou pelo braço e me agradeceu pelo tanto que gostei da Sombra do Vento. Quase chorei. Ele me levou até uma porta toda de cristal e ficou esperando pra ver minha reação. Dei de ombros; sabe quem lá quem estava lá dentro!! Foi Bernard Cornwell quem me abraçou (e quase chorei de novo) e disse: Erasmo, Homero, Victor Hugo... e por aí vai. Quer entrar? - Ah... não, respondi – sou apenas um leitor mediano... não quero voltar pro corredor da auto-ajuda, mas não precisa tanto... Então a Marion Zimmer me pegou pela mão e, sorrindo, me disse: - Você já viu que horas são? Fiz de conta que nem me impressionei por estar falando com ela e olhei no relógio: 18 horas... O quê!!! Ela me levou por um corredor muito iluminado e pediu pra eu correr que daria tempo. Eu ainda queria passar por muitos outros corredores. Ainda quis parar, mas o Tabajara Ruas parou de beber seu mate e falou: - Te apressa homem. Segui o conselho e não parei mais. Acordei no fundo de um dos corredores da biblioteca pública, sentado no chão e com a cabeça encostada na parede, a boca entreaberta e quase babando, com dezenas de livros espalhados pelo chão. Corri pelo longo corredor e ainda consegui gritar para dona Alzira, que quase estava fechando a porta de saída. Ufa! Quase passo mais uma noite trancado na biblioteca.

terça-feira, 8 de abril de 2008

teu beijo

Eu queria uma casa pra voltar no fim do dia
Que não fosse só minha
Mas que também eu pudesse partir sem avisar
De manhãzinha
Onde se pudesse ouvir
O som doce do vento cantando na fresta
Da janela sempre por arrumar
Mas que não se arruma
Só pra poder ouvir o doce vento cantar
Uma casa com violetas nos peitorais
Pra tristeza não debruçar jamais
E que tivesse grandes gramados de adormecer
E mato de se perder
E bichos
e saudade do que ainda está pra ser
E que tivesse teu beijo
se entardecer
Teu beijo
se amanhecer
Teu beijo
se nada mais fosse pra acontecer...