quarta-feira, 29 de maio de 2013

eu a queria em mim
como um rio que nasce
nalguma colina distante do sentimento
gota a gota revirando fontes
e se emendando
descendo terras
carregando em si
a lenta fecundidade de amar
mas você já nasceu correnteza
com profundidades desconhecidas
rio largo devastando encostas
violento carregar de sonhos
inundando o estio deflagrado
em meu peito
seduzindo minha vontade
com inusitadas calmarias
e gigantescas quedas
levando em seus vórtices
a serenidade da espera e buscando
caudaloso
algum súbito mar
pra espalhar
sua grandeza de amar

domingo, 26 de maio de 2013

Tainha, variação da melhor do mundo...

eu já comi tainha de todo jeito: assada na telha, frita em posta, na folha da bananeira, recheada, assada embaixo da areia, no feijão (deliciosa)... por isso desenvolvi uma receita que julgo ser a melhor maneira de se comer uma tainha. Porém, não contente, criei uma variação... 

é preciso uma boa tainha, bem escolhida, gorda e ovada... quando comprar (tinha um tempo que eu ia lá e pescava), já pede pra fazer dois filés, sem pele. Com a ova, devidamente limpa, faz uma farofa com pimentão picado, cebola, coentro, manjericão, cebolinha, linguiça calabresa moída... e etc (sem exageros). Daí coloca um dos filés num papel alumínio grande (dobrado em dois) e  cobre ele com a farofa, coloca o outro filé em cima e enrola com o papel alumínio. Assa por uma hora em fogo médio. Quando tirar do forno e do papel alumínio, fica assim:


o recheio fica entre os filés:

então usa o que sobrou da farofa, e tem que sobrar bastante, e cobre tudo:

daí vai pro forno,com fogo alto, por mais 30 minutos, até ficar assim:

a tainha tá aí dentro, podem confiar. Essa nos tomamos com um Bordeaux, barão de Rothschild, branco, que tinha fantásticas notas de amêndoas na permanência na boca... mas não é dos caros não, a emblemática vinícola de Bordeaux tá com uma linha "popular" bem acessível.  
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quarta-feira, 8 de maio de 2013

outra homenagem ao Feliciano, para relembrar...



 A LUZ DO QUINTO ANDAR  

A toalha branca e uma rosa vermelha solta na mesa, como se ali estivesse meio ao acaso. O cd da Maria Rita, na música certa, apenas esperando um leve toque no controle remoto. Um malbec devidamente uniformizado, com o guardanapo branco, as taças, os pratos, os talheres...  Em ordem no balcão de granito o azeite, a tábua com alho picado e galhos de coentro, o pote com o creme de leite e 200 gramas de salmão defumado, cortado em pequenas tiras. As azeitonas e meia taça de vinho branco. O penne, o saleiro, a pimenta do reino e, no fogão, a panela alta com água já aquecida.
            Os últimos redemoinhos de fumaça do incenso de sândalo ainda se perdiam na meia luz do apartamento e, do outro lado da janela da cozinha, lá na outra rua, uma luz acende no 5.o andar. Fecho mecanicamente a persiana, como se virasse uma página do passado. Rogério não demora. 21:00 horas. Procuro o espelho do hall e não me surpreendo com quem vejo: uma fugitiva, de um 5.o andar, de uma rua ao lado.
            No dia exato, na hora exata dos meus 32 anos, quero estar com Rogério, nua em seus braços, aos espasmos, fazendo aquele ar de incredulidade que ele tanto gosta quando gozamos juntos, e não vou pensar na luz do 5.o andar, que poderá ainda estar acesa. Olho meus olhos bem de perto, quase tocando a ponta do nariz no espelho e tento ver se há algum disfarce na minha vontade. Impossível! Há muito deixei de acreditar nos meus olhos! O telefone desarruma repentinamente o silêncio ordenado do apartamento. Um pulo e um tremor correndo pelo corpo:                                                           
               ¾ Elis, vou atrasar um pouco...
            Acho que não ouvi a explicação. Ele ia atrasar, por que saber o motivo? Bastava saber que ele ia atrasar. Outro incenso. Um pouco masculina minha maneira de esperar Rogério, como se a ordem estivesse intencionalmente alterada. Mas ele adorava, era o primeiro que adorava minha autonomia, minha independência, e jamais dissera: você parece o homem do casal!
            Conhecemos-nos no trânsito, ou melhor, no estacionamento do shopping. A princípio pensei que era gay, com aquela cara vermelha, pendurado numa chave de roda, tentando soltar as porcas do pneu furado, suando como um peão de obra. Sorri da sua falta de jeito e, como simpatizo com as “colegas,” resolvi dar uma força. Até pensei em usar o simples artifício de ficar em pé na chave de roda, mas ele se sentiria meio ridículo se eu conseguisse muito fácil, por isso, primeiro perguntei se o carro tinha seguro, antes que ele tivesse um enfarto:
            ¾ Você não vai chamar o seguro apenas para um pneu furado?
            Ele achou aquilo ridículo, bem coisa de mulher, mas, aceitou. Quando o mecânico, com um sorriso debochado no canto dos lábios, terminou o serviço e pediu para ele assinar uma nota, fiquei surpresa com a pergunta dele, à queima roupa:
 ¾ Que horas eu te pego para o jantar?
            No tempo que esperamos o mecânico eu já havia colocado em dúvida minha opinião inicial e descoberto que ele era arquiteto, que nunca se ligara muito em carros e que havia mudado para cidade naquela semana. Resumindo: transamos loucamente naquela mesma noite. Tudo bem, nenhuma novidade nisso, a não ser pelo fato de termos transado antes do jantar, quando eu passei no apartamento dele para apanhá-lo, já que ele não era do tipo que se importava em ir pegar a mulher. Quem mandou ele me esperar com aquela camisa branca desabotoada e com o Fahreinheit invadindo todo o ar que eu respirava? Na hora eu pensei que seria apenas mais uma boa transa, uma noite especial para uma quarta-feira, mas, três meses se passaram e as noites especiais têm se repetido nas quintas, sextas, segundas...  Quanto tempo ele ia atrasar mesmo?
            Acendi o cigarro e apaguei-o, de imediato. Havia dito que ia parar e eu jamais fui de voltar atrás no que dizia. Foi engraçado eu pensar isso, ao mesmo tempo que abria delicadamente a persiana da cozinha e olhava novamente para a luz do 5.o andar, como um reflexo condicionado da paixão. Eu nunca voltava atrás?
Estava apagada e, sempre que estava apagada, alguma coisa se apagava aqui dentro também. Era como se o passado pudesse ser desconectado num simples interruptor. Fechei a persiana, comi uma azeitona, bebi um gole do vinho branco, como se o passado, a azeitona e o vinho, tivessem a mesma importância naquela noite, especial. Outro susto, o telefone toca novamente e eu penso em não atender. Sabe lá se não é um paciente em crise existencial, um parente querendo dar os parabéns, ou... é, ou... 
¾ Só mais um pouco querida, encontrei o ...
Eu não quero explicações. Nunca liguei por ter que esperar alguém, pelo contrário, as esperas são momentos raros que posso abrir um livro. Livros, cheios de vidas, que clamam angustiadas para que tenhamos algum tempo em lê-las, em devassá-las. Abro meu Quintana e leio: sempre que chove, tudo faz tanto tempo... Ainda não havia percebido que algumas gotas de chuva lacrimavam na janela. Por instantes julguei o Quintana um grande sacana, pela precisão aritmética medida no seu devaneio. Virei a página e pareceu que, de repente, um abismo tragou-me assustadoramente. Faltou-me a luz, o ar, a sanidade. Foi o bilhete achado, ou minha reação tão feminina diante do bilhete, dobrado em dois, com uma pétala de rosa dentro?
(você tem o beijo mais macio que conheço...  tuas mãos tocam meu corpo como se eu fosse uma pétala...)
Aquilo que descia pelo meu rosto não podia ser uma lágrima. Não podia estar “fazendo tanto tempo” em meu rosto. Quintana que me perdoasse! Sim, chorei, com o livro apertado ao peito e um pedaço do passado amarrotado dentro dele, como se eu pudesse sufocá-lo, apenas. Por que? Por que tinha que ser daquele jeito? Por que tinha que ser tão complicado? Era muita coisa pra enfrentar e ter que revelar meus medos, minhas inseguranças. Por que Rogério não chega logo?
Não, agora ele não pode chegar! Esperar um homem especial como o Rogério com a maquiagem borrada não era possível. Lavei o rosto com água fria, suspirei fundo e, pronto, hora de recomeçar! Troquei de roupa, aquela estava irremediavelmente contaminada de passado. Troquei tudo. Tirei a calça e procurei uma saia. Tirei a calcinha preta fio dental e coloquei a branca transparente. Tirei o sutiã e fiquei sem, sabia que ele adorava o leve balançar dos meus seios, perdidos dentro de uma roupa folgada, e que ficava procurando ângulos onde pudesse espiá-los, descaradamente. Um pouco mais de Tressor, um pouco mais de batom, uma blusa solta. Ainda era fácil vestir aquele corpo em perfeito estado. 1.70 m, 55 kg, cabelos negros caindo pelos ombros, levemente cacheados e contendo no seu interior um par de olhos verdes, perfeitamente mentirosos. A pele já um pouco bronzeada para esperar o verão, mais do que à altura para aquele belo exemplar de macho que estava para chegar.
                 Na primeira vez, quando fui dar o beijo no rosto dele, logo na porta do apartamento, não resisti e aconteceu um dos melhores beijos que me lembro. Nossos corpos colaram imediatamente e tenho a certeza que nós dois pensamos, ao mesmo tempo, o quanto eles se adaptavam com perfeição. Parecia que nenhum espaço havia sobrado. Parecia que não houve surpresa. Ele respirou com a boca aberta atrás da minha orelha, como se já soubesse, há anos, que eu adorava isso, e seu hálito quente me incendiou instantaneamente. Puxou-me para dentro e bateu a porta com o pé, me abraçando pelas costas e beijando minha nuca. Loucura. Suas mãos eram adestradas por um impulso hábil e senti, com facilidade, que nele havia algo além da simples masculinidade. Vi pilhas de caixas de papelão. Vi sacolas, livros amontoados, em flashs, quadros por pendurar, vi um sofá branco, todo branco, todo lindo, nosso destino, nosso porto seguro para nos abrigar do temporal que provocávamos.
Quase duas horas depois comemos uma deliciosa meca grelhada, com camarões e saladas. Acho que podíamos ter comido no Mc Donald’s, tanto fazia. Tudo em mim já estava saciado. Tudo? Doce ilusão que o tesão injeta na jugular da vontade. Naquela mesma noite fiquei um longo tempo olhando a luz acesa do 5.o andar. A impossibilidade, a irracionalidade, o carimbo da censura, o estopim curto que podia explodir minhas pontes, meus viadutos. O atalho. Eu não seria a outra!
            Quantas noites só fui dormir depois que a luz apagava? Como se, desta forma, mantivesse ainda vivo algum tipo de cotidiano, que, na verdade, nunca tivemos: já escovou os dentes? Pegou água? Você costuma ter sede durante a noite... posso apagar a luz? Ainda vai ler?
            Ah! O medo! Tão desalmado meliante, vigarista de primeira linha, de coração frio. Acho que por isso o medo causa tremores. Quantas desculpas achamos na vida por causa do medo? Como pode ser mais poderoso do que aqueles olhos marotos abrindo a porta para mim, com as luzes todas apagadas e sumindo logo em seguida na escuridão, depois de fechar a porta nas minhas costas, para que eu os encontrasse pelo perfume da pele? Como o medo pode ludibriar a impressão daquele toque nos meus pontos mais corretos? Aquela língua macia e sem pressa, fazendo e desfazendo caminhos em meu corpo? Como pode o medo enganar que não precisamos nada disso? Que não precisamos daqueles suores, daqueles líquidos escorridos nas nossas palmas? Se Rogério chegasse agora eu o devoraria como na primeira noite, antes do jantar, antes que eu enlouqueça. Quanto tempo ele ainda demora? Quem mesmo ele havia encontrado? Será o Ronaldo que eu ainda não conheço e que estava para chegar?  Este Ronaldo que ele fala de um jeito que eu resolvi chamá-los de RoRo, e ele apenas riu. Não, ele não se atreveria a trazer este Ronaldo aqui, logo hoje, no meu aniversário. Se ele fizer isso eu como os dois!
            A campainha! Olho-me uma vez mais no espelho, segura que serei estilhaçada imediatamente. Um pouco mais de Tressor, para garantir. Nem me atenho ao olho mágico. Abro a porta. Outro abismo. Não pode ser:
 ¾ Você!
            ¾ É seu aniversário, eu lembro... Você está linda...
            A porta do elevador se fecha no corredor e eu escuto, pela porta que dá para escadas a voz grave de Rogério. Logo agora! O elevador está descendo para apanhá-lo. Quatro andares. Uma daquelas eternidades que se espremem nos minutos estava acontecendo e eu não sabia se ouvia o silêncio, ou se o silêncio era apenas uma alucinação. Parecia que seus lábios se mexiam, mas eu não sabia que palavras saíam por ali. Mas eles se mexiam e se aproximavam, cada vez mais. Meu espírito corria, já ia léguas distante, mas meu corpo petrificara, deliciosamente, e esperava atônito aqueles lábios, que mexiam, e me enchiam com um beijo, um sugar de energia, uma implosão.
            A voz do Rogério aumentou de volume pelas escadas. O elevador já devia ter chego, mas eu ainda ouvia sua voz lá embaixo, agora mais alta, como se discutisse com alguém, porém eu não distinguia palavra alguma. Somente sentia, se é que sentia realmente, aquelas mãos mornas levantando minha blusa nas costas e deslizando em minha pele. Que mulher era eu que me arrojava assim, sem pudor algum? O telefone, outro susto. Empurro aquele corpo. Afasto suas mãos com dificuldade e tento não olhar seus olhos. Eu sabia que não podia olhar seus olhos, para o meu bem.
            ¾ Elis, eu estou aqui embaixo... mas... estou resolvendo um problema...
            Suba logo ou vá embora logo! O que eu queria? Não sabia, nem sei o que disse.
            ¾ Você está esperando alguém?
            ¾ Não era você, com certeza.
            ¾ Mas eu não vou embora. Vou ficar.
            ¾ Como assim? Você tem que ir embora, ele acabou de me ligar dizendo que logo vai subir.
            ¾ Eu não vou embora. Chega, estamos perdendo tempo... do que você tem medo?
            ¾ Você não entende? Além do mais, já disse que não serei tua amante, não serei a outra...
            ¾ Eu não estou mais com a Juli... terminamos...
            Eu precisava fugir, enquanto era tempo. Não houve tempo. Eu sempre soube que minha fuga era um simples atestado de incompetência na arte da resistência. Jamais conseguiria resistir aos seus olhos, seu jeito de chegar, de encaixar, sua maneira de me segurar, com firme delicadeza. Facilmente suas mãos acharam o zíper atrás da saia, que escorregou pelas minhas pernas, junto com o que restava em mim de racionalidade. Sua coxa entrou entre as minhas e seus lábios sorriram quando percebeu o calor que me abrasava. Eu estava lânguida, uma caça abatida, mas era preciso resistir, Rogério devia estar subindo. Libertei-me uma vez mais e corri para a porta, meio sem saber se fugia ou a trancava. Não podia fugir só de blusa e calcinha.Tranquei-a.
            Encostei a testa na porta e respirei, precisava ao menos de um minuto, mas novamente não tive tempo algum. Seus braços outra vez me envolveram e logo acharam a liberdade dos meus seios. Com extremo requinte de covardia, seu hálito quente alojou-se atrás da minha orelha. Os joelhos dobraram, levemente, mas fui amparada por aquelas mãos que já desciam pela minha virilha e descobriam a umidade do meu desespero. Socorro! Mas somente minha alma gritava. Virou-me de frente e falou:
¾ Eu não vou mais embora.
            A campainha. O silêncio banhando aquele riso ousado, malvado. Como qualquer mulherzinha, caí em desespero. Eu nunca era de esconder nada, mas não podia ser apanhada assim, em tão profundo desalinho íntimo. Empurrei segura aquele corpo para longe do meu e o levei para o escritório. Não precisei falar nada, meus olhos já diziam:
¾ Não saia daí...
            Vesti a saia.Mais um toque da campainha, o terceiro. Olhei-me no espelho do hall e confesso que não vi nada.
            ¾ Você demorou...
            ¾ Precisamos conversar.
            ¾ É... acho que precisamos...
            ¾ Quero te apresentar uma pessoa... Ronaldo...
            Rogério não havia entrado e eu não me dei conta que não tinha pedido para ele entrar. Quando ele falou Ronaldo, este apareceu na minha frente. Parecia ter a mesma idade de Rogério, a mesma altura, mas, enquanto Rogério era do tipo mais intelectual, Ronaldo era estilo praia: tez bronzeada, barba por fazer, camisa aberta, malhado. Um belo exemplar!
            Era meu aniversário. Eu havia nascido as 23:45h. Faltava pouco para eu fazer 32 anos e no exato momento eu queria estar entregue a ele, ou ao menos queria, até há poucos minutos atrás. Por que ele trouxe Ronaldo? Será que estava pensando numa safadeza a três? Já havíamos comentado sobre isso, mas sempre em tom de brincadeira. Não, ele não se atreveria.
Ronaldo entrou demonstrando admiração pela mesa bem posta. Havia um evidente constrangimento no ar, e o 5.o andar do outro lado da janela estava aceso bem no meu escritório. Ficamos os três nos olhando, no meio da sala.
            ¾ Você disse que precisávamos conversar ¾ falei, tentando parecer normal.
            ¾ Eu e Ronaldo precisamos conversar com você. Eu não quero que você me entenda mal...  na verdade, nem sei bem por onde começar...
            Enquanto Rogério gaguejava, Ronaldo, que demonstrava alguma impaciência, virou-se para ele e, sem nada hesitar, segurou seu rosto e o beijou, na boca. Um beijo rápido. Sem soltar o rosto de Rogério, olhou para mim e sorriu, depois o beijou novamente, um longo beijo diante da minha tentativa de parecer estupefata. A princípio Rogério quis resistir, mas só a princípio. Eu fiquei onde estava, no espaço, no tempo. Tudo ao mesmo tempo, tudo na mesma noite. Não sabia se ria, chorava, ou me unia.
            ¾ Sempre ouvi falar que um ato vale mais que mil palavras ¾ por fim Ronaldo falou, ainda abraçado com Rogério. Depois completou: ¾ Ainda precisamos explicar mais alguma coisa?
            ¾ Não. Já basta! ¾ falei olhando para baixo, fazendo de conta que não sabia o motivo real de não querer encará-los, mas sabendo. Nisso Rogério veio em minha direção e tentou me abraçar. Eu não poderia, não pelo que acabara de ver, mas não poderia deixar outro corpo tocar o meu naquele momento e poluir a deliciosa impressão que ainda ardia nele. Não, afastei-me.
            ¾ ... me perdoa, eu sei que é seu aniversário... eu mudei pra cá por causa disso... estava fugindo...
            ¾ Eu entendo... como eu entendo de fugir! Não tem nada demais, mas... por favor, vão embora... preciso ficar... sozinha.
            Ainda nos olhamos na porta. As palavras mudas que nossos olhares trocavam diziam que havia sido bom, não precisavam expressar-se em sons. Deixamos o silêncio marcar nossa despedida. Encostei a porta devagar. Finalmente conseguia um tempo, breve que fosse. Parecia que o apartamento em meia luz estava em silêncio agora, mas não, eu sabia que não. Era quase ensurdecedor.  Tirei meus sapatos e pisei macio pelo tapete. Tinha a impressão que podia gritar e ninguém me ouviria, que minha voz não conseguiria sair de mim. Mais um passo. Havia terminado com Juli. Bastava? Era o suficiente para eu passar por cima de tudo? O passado, o presente, o futuro? Toquei levemente o botão do controle remoto: Um belo dia resolvi mudar e fazer tudo o que eu queria fazer...
            Lentamente girei o saca-rolha. Minhas pernas ainda tremiam e podia sentir o incêndio que ainda tomava conta do meu sexo. O vinho deslizou graciosamente pelas taças, um bailarino risonho. Era preciso decidir o que eu já sabia estar decidido, senão, por que encheria as duas taças?
            Coloquei a mão sobre a maçaneta. Segurei um pouco a respiração, com o pulmão cheio de ar. Soltei lentamente. Do outro lado o 5.o andar com sua luz acesa, agora somente para mim. Eu havia falado que não seria a outra. Não podia negar mais, Juli havia ido embora. Por que não? Por que tanto medo?
            Abri e encontrei um sorriso, o mais lindo sorriso que eu conhecia. Sabia que o incêndio ia continuar, sabe lá por quanto tempo, sabe lá o que sobraria de mim depois. Estava decidido e já fazia tempo, só eu que me enganava que não. Que tudo se danasse!
            ¾ Ele já foi?
            ¾ Já...
            ¾ Posso sair?
            ¾ Sim... Regina, pode sair.
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segunda-feira, 15 de abril de 2013

O Brasil que queremos...




Professor Gouveia tem quase 60 anos de idade e aproximadamente 40 anos de professor de história. Ainda não quer aposentar.  É respeitado, dedicado e vamos encontrá-lo hoje entrando na sala para a primeira aula do ano letivo. Alunos com cerca de 15 a 16 anos, a maioria.
- Bom-dia, alunos! Oh! Que bom que já temos a sala cheia, no primeiro dia! Ah, sim... podem desligar os monitores, ou minimizem a tela. Antes de falarmos sobre história, preciso saber um pouco sobre vocês... por isso vou pedir que me digam, um a um, o nome e uma palavra, uma palavra apenas, que ajude a defini-los como pessoa. O que vocês acharem melhor... está bem? Então vamos começar aqui, pela minha direita...
- ...é...é...bem...
- Ora, não se encabule, todos vão ter que falar mesmo, comece pelo seu nome.
- Bem, meu nome é Orlando, tenho 16 anos... hum... e sou gay.
- Ótimo, mas vamos fazer assim, não precisam dizer a idade, isso não faz muita diferença para mim. Então, vamos em frente...
- Meu nome é Rita... sou louca por rock...
- Isso aí... o seguinte.
- Pedro... torço pro Flamengo.
- Flamengo? Ichi, menino... logo o Flamengo? Mas tudo bem, é um direito seu... o seguinte...
- Camila... sou sapa.
- Sapa? Huumm...
- Algum problema professor?
- Eu não gosto muito deste termo, “sapa”. Não sei, nos meus ouvidos soa mal.
- Lésbica, então?
- Sim, é mais correto, mas também não gosto muito... e homossexual é muito longo... acho que no fundo prefiro gay, tanto para homens, quanto para mulheres... é curto, fácil de falar, e soa bem... pode ser? Ótimo... o próximo.
- João Carlos... espírita.
- De família espírita ou é convicção sua?
- Os dois, professor.
- Ótimo... o seguinte.
- Guto... Flamengo...
- Caramba! Outro? Já vi que esse ano vai ser complicado. Vamos em frente...
- Sandra... evangélica.
- Certo... de que igreja?
- Universal, professor.
- Ok... o próximo.
- Davi... gay...
- Ei... mas eu conheço você... você não estava namorando uma menina no final do ano passado?
- Sim, estava, a Lucinha... gosto de meninos e meninas...
- Então você não é gay... é bissexual...
- Ah! Professor, também não gosto deste termo.
- Tem razão, também não gosto. Mas gay não é o mais certo para o seu caso. Fica só bi... a contração é mais simpática. Pode ser? A seguinte...
- Maria... minha vida é o vôlei.
- Ok... mas não pense em só jogar e não estudar... o seguinte.
- Abdala... muçulmano.
- Olha! Que bom, temos uma classe eclética esse ano! Temos algum judeu também? Dois... seu nome?
- José.
- E o seu?
- Davi.
- Davi... então temos dois Davis... vou ter que aprender os sobrenomes. Quer me falar alguma coisa, José?
- Também sou do Flamengo.
- Ehhh... olha aqui, na minha idade não cai bem falar palavrões... então vamos em frente... Ei, você é muito parecida com o Abdala?
- Sarah... sou irmã dele.
- Ótimo, e o que mais?
- Mais?
- Sim... conte-me algo seu.
- Bem... sou tímida.
- Está bem... deu pra perceber pela cor do seu rosto, por isso vou deixar você quieta... e você, fale de você...
- Rubens... étero.
- Huumm... ok... e você?
- Diego... sou negro...
- Negro? Eu sei que você é negro, basta olhar... conte-me algo relevante, ou que o defina.
- Bem... sou baterista de uma banda.
- Ahhhh... muito bom... o que vocês tocam?
- Reggae...
- Ótimo... e você?
- Júlia... católica.
- Ok... você?
- Adriano... diabético.
- Que tipo?
- Tipo 1, professor?
- E carrega seu kit com insulina e alguma coisa doce?
- Sim, aqui na mochila.
- Muito bem... e você?
- Rodrigo... Beta... Paula... Jonas... João... Carlos... Antônio...
- Muito bem, agora que já nos conhecemos um pouco, vamos montar os grupos de pesquisa. Gosto de grupos de 4 pessoas, por isso vou escolher por sorteio, vamos lá, coloquem o nome num pedaço pequeno de papel e tragam até minha mesa...

sábado, 13 de abril de 2013

para o Feliciano

esta letra do Chico vai para o pastor Marco Feliciano... e creio que não preciso dizer mais nada.

http://www.youtube.com/watch?v=T4CP6aCXq9I


Se a dona se banhou
Eu não estava lá
Por Deus Nosso Senhor
Eu não olhei Sinhá
Estava lá na roça
Sou de olhar ninguém
Não tenho mais cobiça
Nem enxergo bem
Para que me pôr no tronco
Para que me aleijar
Eu juro a vosmecê
Que nunca vi Sinhá
Por que me faz tão mal
Com olhos tão azuis
Me benzo com o sinal
Da santa cruz
Eu só cheguei no açude
Atrás da sabiá
Olhava o arvoredo
Eu não olhei Sinhá
Se a dona se despiu
Eu já andava além
Estava na moenda
Estava para Xerém
Por que talhar meu corpo
Eu não olhei Sinhá
Para que que vosmincê
Meus olhos vai furar
Eu choro em iorubá
Mas oro por Jesus
Para que que vassuncê
Me tira a luz
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domingo, 24 de março de 2013

SANTA E BELA CATARINA...

tão linda quanto mal cuidada...
a ilha da magia é uma farsa mal armada pelo poder público e pelas grandes construtoras interessadas em valorizar imóveis. Em qualquer canto que se vai é tudo igual: buracos, sem calçadas, sem conservação, sem segurança. Só há uma pálida maquilagem na beira mar norte, pra enganar turistas, que ainda chegam às pencas... Estas fotos são de uma caminhada por canasvieiras. O perigo é constante... e olha, está assim há muitos anos. As fotos são do verão ainda, e feitas do celular, por isso não tão boas.





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quarta-feira, 20 de março de 2013

Roberto Gomes... BRAVO!!!



...Tem muito autor que faz piruetas com a linguagem para dizer nada ou no máximo alguma coisa mínima. Na literatura contemporânea, inclusive no Brasil, há excesso de exercício de subjetividade. A literatura precisa recuperar a sua essência e voltar a ter boas histórias e bons personagens. Agora, a maior parte dos autores parece apenas preocupada em elaborar construções verbais que possam parecer guardar profundidades abissais, quando na verdade boiam na mais reles superficialidade. Há textos literários que parecem anunciar um grande feito, mas não passam de um balão de gás, vazio. Há uma tradição barroca, que vem de Portugal, que prejudicou muito a literatura brasileira e que gerou esse culto à frase rebuscada e à construção inversa...

não deixem de ler a matéria completa em:


http://www.revistaideias.com.br/?%2Fentrevista%2F630%2Fo-conhecimento-de-roberto-gomes%2F
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segunda-feira, 4 de março de 2013

Saudade da ITAPEMA FM

Hoje eu voltei de Florianópolis ouvindo a Itapema FM. Fiz questão de não mudar de estação, o que tenho feito quase sempre e, de lá até aqui, nenhuma música brasileira. Até tocou Rita Lee, cantando em inglês. Tudo bem, eu sou um apaixonado pela nossa boa música, mas onde foi parar aquela rádio que nos surpreendia com preciosas pérolas tupiniquins? E não me venham dizer que sou saudosista não! Não tô falando de saudosismo, porque a produção musical brasileira é ampla e incessante.


Lembro de um dia ter ouvido a Mônica Salmaso cantando com Eduardo Gudin, que eu não conhecia, a música Rosa dos Tempos, que eu não conhecia, na Itapema. Lembro de ter ouvido pela primeira vez Nem o sol, nem a lua nem eu, do Lenine. A gente tinha surpresas deliciosas. Uma das melhores coisas de ir pra perto de Floripa era ouvir a Itapema, mas hoje a programação musical é mais de 90% internacional. Nada contra, se bem dosado, afinal, é um descaso com a nossa qualidade musical, que também inspira o mundo. É um descaso com nossos talentos e não os antigos apenas. Maria Rita, Marcelo Camelo, Roberta Sá, Gadu... fora os excelentes talentos daqui da terrinha, que bem podiam estar na programação, com todo o mérito, como a Giana Cervi, Mareike...

ah! Itapema FM... onde anda você??? Por que não me surpreende mais???

sexta-feira, 1 de março de 2013

DIREITOS HUMANOS(?????)


Bancada evangélica da Câmara deve presidir Comissão de Direitos Humanos

A lista do Partido Social Cristão para chefiar a Comissão é encabeçada pelo deputado federal e pastor Marco Feliciano (PSC/SP).  Feliciano é homofóbico declarado:


o amor entre pessoas do mesmo sexo leva ao ódio, ao crime e à rejeição

descendentes de africanos são amaldiçoados

Feliciano afirma que a comissão hoje se tornou um espaço de defesa de privilégios de gays, lésbicas, bissexuais e transexuais e defende o maior equilíbrio. Ele diz ter feito um cálculo: 90% do tempo da última gestão da comissão foi dedicado a assuntos relacionados à comunidade LGBT, deixando em segundo plano outras minorias, como índios, quilombolas e crianças. Imagino que ele deva pensar que índios devam ser capturados para trabalhar na lavoura dos brancos e quilombolas devam ir para o tronco.

Num Brasil tão tomado de absurdos políticos, é difícil ficarmos surpresos com mais um. No fundo parece ser mais um. A deputada Erika Kokay (PT/DF), ex vice presidente da comissão, ao mesmo tempo que diz que a escolha iniciará uma fase obscura da comissão, já que a conduta de Feliciano atenta contra os princípios básicos dos direitos humanos, afirma que a culpa deste fato cabe ao povo que o elegeu:

Tem que se responsabilizar quem o colocou lá (na Câmara)


Esta afirmação vem do fato do PT estar sendo acusado de mais um conchavo, que deixou aberta a porta da Comissão de Direitos Humanos. Ora, o que é a política sem conchavos? Seriedade, ética, dignidade, interesse popular, necessidade popular, só vêm à tona em discursos inflamados às vésperas de eleição. De resto, o que vale é o fisiologismo, o conchavo, o tráfico de influências, o corporativismo. O povo? Só tem de valor o voto.

O que a nobre deputada Erika Kokay não levou em conta é que o povo que colocou um Feliciano lá, é o mesmo povo que colocou o PT lá, para defendê-lo de absurdos como este.

Dê-nos escolas, senhores políticos, escolas boas, e aprenderemos a votar.
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