quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

MEU PRIMEIRO CONTO DE NATAL




Natal de 1997 (O Desaparecido)


Engarrafamento!! Aqui nunca tem engarrafamento. Faz meia hora que estou tentando chegar em casa e não saio daqui. É sempre assim quando a gente está com pressa. Pressa? Eu não estou com pressa. Estou cansado, mas não estou com pressa... e nem faz meia hora que estou aqui... nem dez minutos... acho que cinco minutos. Só quero chegar em casa e dormir, apagar.


Amanhã ainda é segunda-feira. Por que fui sair da casa no domingo? Parece que todo mundo saiu de casa este domingo. Fim de semana que vem vou ficar em casa e descansar, é só disso que estou precisando agora...
Antes de dormir, tentei ordenar todos os problemas que queria resolver até o fim do ano e descobri que não conseguiria solucionar nem a metade. Devo confessar que me deixei invadir de tristezas, por trabalhar tanto e não conseguir, ao menos algum tempo de necessária paz. No meio desta tristeza lembrei de um hábito, há muito esquecido, e vasculhei, lá no fundo do peito, uma prece. Pedi a Deus, pois a ele só havia aprendido a pedir, que me mostrasse um caminho onde resolver minhas dificuldades e viver com um pouco mais de calma.
Pela manhã o sol se infiltrou pela fresta da cortina e me avisou que a chuva não veio. Quis até ficar alegre, mas descobri que já passava das 8:00 horas, dormi demais e tinha paciente marcado as 8:30...
— Olha, diz que vou atrasar uns minutinhos... é, mas chego logo...
Abri o portão da garagem e a luz do dia embaralhou, momentaneamente, a minha percepção das coisas. Saí lento, sem enxergar muito bem e, enquanto a visão ia voltando, vi que, do outro lado da rua, sentado no meio fio da calçada, havia um menino. Ainda não tinha visto aquele pelas redondezas.
Estava sozinho, descalço, com uma bermuda bem surrada e sem camisa. Com um canivete, empenhava-se em apontar um pedaço de madeira roliça, parecia um cabo de vassoura quebrado e tinha já, ao seu lado, mais dois pedaços apontados. Acostumei rápido com a claridade e fui embora, mas fiquei olhando pelo retrovisor o moleque brincando sozinho...
Lanças? Traves? Sei lá! Infância. Eu estava atrasado e tinha que correr, mas não conseguia, deixei-me levar na lembrança de um tempo que permiti escorregasse pelas frestas do destino, sem maiores registros. A paciente estava com a cara amarrada e o dia todo foi igual, como os outros... segunda-feira...
No outro dia acordei a tempo e percorri a rotina das minhas atitudes reflexas, até tirar meu carro para a rua. E lá estava ele de novo, agora no terreno baldio ao lado. Um tênis velho, uma bola velha, acho que a mesma bermuda. Nove anos, talvez dez. (Deve ter mudado pra cá por estes dias). Chutou a bola na parede e recebeu de volta, fez a ginga, driblou um provável zagueiro, rolou de lado e soltou a bomba... bomba mesmo! Passou por cima do muro e explodiu na parede de madeira da casa do fundo. Bola pra um lado, craque pra outro. Ficou atrás do pilar do estacionamento do prédio, olhando o que ia acontecer e eu fui embora, mais uma vez lento, navegando por tempos esquecidos, de campinhos de esquina e bolas furadas, vidraças quebradas, canela suja de terra e um tênis sempre por lavar.
Era terça-feira... Deus!! Terça-feira, 23 de dezembro. O Natal taí e hoje ainda vou trabalhar. Ano que vem não faço mais isso...
Quanto tempo faz que eu me perdi no caminho, pensando andar correto, que era assim mesmo que tinha que ser? Quanto tempo faz que eu caí neste funil de pressas e contas, e deixei de ver o sol amanhecendo nossas vontades de gostar da vida e, à tarde, ter a sensação que está tudo certo para a noite, está tudo certo para amanhã, indiferente de tudo que eu tenha pra fazer amanhã?
Quando foi que eu transformei vontades em hábitos, passíveis de serem trocados por necessidades, sempre mais importantes?
Lá estava ele na manhã de Quarta, com a cabeça quase encostada no chão, fazendo pontaria na peca mais perto. Atirou e bateu com a mão na terra, tomado de rápida irritação. Tinha errado, feio. Pegou a bolinha de novo e voltou à mesma posição... mais uma vez... outra ... acertou e socou duas vezes o ar.
Brincava sozinho e nem me notava, como se eu fosse mais um dos elementos dispensáveis da sua natural felicidade. Lá fui eu de novo, caminhar no tempo, como se eu pegasse aquele menino pela mão e ele fosse me mostrando alegrias esquecidas, por um caminho onde pensei que nunca mais passaria. Tinha desmarcado os pacientes e parei em frente à praia, deixei o relógio em casa e esqueci, por um dia, do tempo...
Um dia eu sei que quis tudo diferente, e pensei em amores e amigos como a base, o solo firme onde construir meu destino. Mas, o que eu fiz pelos amores e amigos, para que eles tivessem vontade de participar no meu destino? Hoje eu tenho amores? Quem sabe? Amigos? Acho que sim, mas eles têm a mim da mesma forma, ou sempre terei, antes, que cumprir todos os compromissos, pagar todas as contas e satisfazer minhas vontades, tantas vezes egoístas, tantas vezes inúteis? Quanto das minhas vontades foram inúteis e deixaram de lado amores e amigos?
Quinta-feira, 25 de dezembro. Embora a véspera tenha sido inesquecível e o teor alcoólico tenha passado um pouco da conta, lá estava eu, 8:00 horas, no portão, procurando o menino. Queria ver o brinquedo novo que ele deveria ter ganho de Natal, mas ele não estava.
Esperei um pouco, no Natal as crianças acordam e correm pra rua com os presentes novos, não custava esperar.
Fazia tempo que eu não sentia um Natal assim. Consegui ver as pessoas que passaram comigo, suas inseguranças e capacidades de errar e acertar, suas fraquezas e esperanças de alegria. Entendi pessoas que me irritaram um dia. Percebi que, tantas vezes, eu também devia tê-las irritado e me senti, quem sabe pela primeira vez, desde a infância, igual: anseios, necessidades e erros. Humanamente igual, como as crianças se sentem iguais e conseguem ser felizes.

***

Ele não veio aquela manhã, nem na outra. Perguntei pra toda a vizinhança por ele: ninguém sabia, nunca tinham visto, nem o zelador do prédio da frente, que conhecia todo mundo ali.
Por muitos dias acordei cedo, tentando encontrá-lo. Sumiu no dia de Natal e eu demorei a entender, mas, quando descobri seu paradeiro, agradeci a Deus, comovido, a singeleza com que atendeu minha prece, a prece que até tinha esquecido.
Eu não ia mais vê-lo, ali fora, na rua, ele tinha voltado à sua terra de origem. Tinha voltado pra dentro de mim... e, de dentro de mim, me apontava um caminho de paz.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

um domingo qualquer em florianópolis


quem pensa que floripa é só praia, tá se enganando se não conhece o Ribeirão da Ilha. Num desses domingos aí fomos lá comprar ostras (R$ 4,00 a dúzia, e grandes), mas como eu sempre carrego um equipamento de pesca de emergência...





(2 canhanhas, 6 cocorocas, 1 escrivão ou carapicuiba... pesca rápida)

perto do meio dia e com ostras e canhanhas no cesto, voltamos para casa. A idéia era fazer hora para o jogo do ano mengão campeão, fomos para cozinha fazer os frutos da colheita do mar:


PEIXE FRITO


OSTRAS AO BAFO E GRATINADAS (receita exclusiva)


RISOTO DE CAMARÃO COM ALHO PORÓ


e a prova:



ah, não tem foto dos filezinhos de peixe (sem essa de fritar o peixe inteiro, filé fica bem mais saboroso, mesmo se não for grande) porque comemos de apiritivo.

bebemos um excelente Garibaldi Prosseco, que no Macro tá por R$ 17,00 a garrafa... e ainda deu tempo pra uma soneca antes do jogo.

Floripa é bem mais que praias, engarrafamentos e ruas esburacadas...

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

professores... quem conhece ALGUÉM?

Continuando o assunto para manter a discussão. Andei lendo na web o que se anda escrevendo sobre o assunto e o que mais se comenta é sobre a demissão de doutores para serem substituídos por mestres ou especialistas, mais baratos.

Doutores e mestres são necessários para regularizar a instituição, depois são substituídos em escala decrescente. Porém, o problema vai bem mais longe, sabemos disso, embora isso seja um espelho da verdade sobre o caráter de quem está no comando das instituições privadas.

São muitos aspectos a serem abordados, desde o medo dos professores de alardearem o assunto enquanto estão nos seus cargos (é claro que correm mais riscos de perderem seus empregos), até o ponto que mais me angustia, que é a qualidade dos profissionais que entram no mercado.

Não sou professor, nem mestre ou doutor. Sou apenas especialista e é por isso que não me sinto à altura de ir mais fundo nas questões intra classe. Porém, mesmo olhando de fora, é evidente que o problema é de uma dimensão assustadora, daquelas que nos fazem ter a sensação do "não adianta lutar, não vamos conseguir nada". Mas algum caminho deve existir, no entanto, creio que somente publicar artigos em blogs seja o mesmo que se apiedar do professor acuado e humilhado pelo sistema.

Tem que existir alguma maneira de ir mais longe e o que mais me ocorre é sensibilizar a mídia de maior alcance nacional. Se eu estiver enganado, por favor, me corrijam, mas, caso concordem comigo, partindo daqui deste desinteressado blog literário, peço a quem possa interessar, que pergunte a um amigo, se não tem um primo do primo do cunhado do amigo, que conheça algum repórter, algum jornalista, alguém, que possa ampliar a ressonância do assunto.

Creio que seria interessante situarmos o assunto em tópicos de importância, e todos podem interferir ou informar tópicos de importância maior ainda no assunto. Do meu ponto de vista particular, avalio esses dois:

1- que profissional as escolas superiores privadas estão colocando no mercado, levando-se em conta que o professor está cerceado no seu mister de ensinar?

2- qual o principal ponto da política de educação no Brasil deve ser focado para uma eventual modificação, visando diminuir o poder dos donos das escolas superiores privadas, que só têm interesses monetários?

Caros leitores do blog, o assunto é de total urgência e gravidade. Precisamos sensibilizar alguém. Por favor, quem conhece o alguém?

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

os professores prisioneiros

estou postando esse assunto como quem coloca uma massa de pão para crescer. Ainda não é o produto final. Minha esposa é professora numa faculdade particular de odontologia e recebeu um pedido de revisão de prova e, conversando sobre o assunto, fiquei mais uma vez abismado. Tem aluno gravando conversas com os professores, buscando uma brecha para processos. Tá muito difícil um professor reprovar um aluno de curso particular (corre até o risco de ser processado ou de perder o emprego). Por mais fraco que o aluno seja (imaginem-se como pacientes de um aluno fraco, um dia, momentos antes de uma cirurgia, matéria que ele conseguiu passar através de pressão permitida por lei), ele vai seguir adiante no seu currículo escolar, sem repetições e virar um "profissional". Tem se falado sobre o perigo que os professores da rede pública do ensino fundamental e médio têm corrido (alguns andaram apanhando, ou sofrendo ameaças de morte), mas é preciso falar, também, sobre o perigo que nós vamos correr com esses profissionais filhinhos de papais (com óbvias excessões, é claro), entrando no mercado sem nunca ter ouvido um não, ou mesmo uma recriminação por não estudarem o suficiente. Volto ao assunto com calma, mas já vou deixando a idéia vagando no ar e pedindo aos comentaristas habituais suas opiniões.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

REDEFININDO CLASSE SOCIAL


Essa postagem vem meio que na berlinda dos pitis que a Mônica postou no CRÔNICAS URBANAS (isso porque eu bati boca com uma pessoa e fiquei imaginando depois se tinha alguma câmera nos filmando).

Hoje eu tive duas experiências bastante corriqueiras de trânsito, no meu itinerário de quase todos os dias. Eu estava (de carro) numa rua de mão dupla, na fila para virar a direita numa preferencial, esperando que o semáforo dessa preferencial abrisse e o trânsito escoasse. Na minha frente 2 carros, atrás 4, quando um sujeito numa camionete pequena, uma Ford Currier (bem acabada), veio pela contra mão (se alguém da preferencial entrasse ali, dava de frente com ele), ultrapassou todos os demais bem educados que estavam esperando e, na hora que eu ia entrar na preferencial, cortou a minha frente e entrou antes. Me dei bem absoluto. Acontece que o sinal fechou nesse momento e ele ficou com o carro atravessado bem na minha frente, ouvindo um monte de baboseiras que eu falei (movido pela tradicional irritação de que sou tomado quando alguém é mal educado na minha frente). Teve vaia geral e outros protestos, mas o meliante do me dei bem, apenas ria (depois que saímos do local ficou me seguindo e querendo briga, mas aí eu já tinha voltado ao normal).

Pouco depois, na BR 101, um pouco antes de chegar ao pedágio, mas bem pouco antes mesmo, quando eu me dirigia para um dos guichês livres, vi que uma BMW saia de trás de mim para a direita, indo na direção do “sem parar”. Qual a minha surpresa quando ele me fecha e entra na minha frente para pegar o guichê livre, quase me fazendo bater na mureta divisória. Era uma linda e nova BMW e o motorista me dei bem me ignorou por completo. Diante do inusitado quase saí do carro para bater boca, mas logo lembrei das câmeras e da Mônica.

Aparentemente eram duas pessoas de classes econômicas bem diferentes, mas de uma classe social que ainda precisa ser batizada. Eu e minha esposa costumamos chamá-los de fdp (é bem isso mesmo!), porém, isso é genérico demais. Filhos da puta existem em todas as classes. Poderiam ser filhos da vaca, de divinas tetas, que empanturraram seus filhos de toda falta de civilidade possível. FDV, quem sabe uma boa definição! Fico aguardando sugestões.

Nos comentários da postagem do Arthur sobre PROTESTOS INÚTEIS DO MOVIMENTO ECOLÓGICO, discutíamos sobre a importância da cidadania para melhorar o planeta. A relação entre os fatos é intensa. Esse tipo de pessoa me dei bem absoluto, é o mesmo que paga e aceita subornos, e infecta o progresso social de miasmas pegajosos. E o me dei bem absoluto gera filhos me dei bem absolutos. E são esses filhos que estamos deixando para o planeta. Até quando ele agüenta?

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

link-se

estou acrescentando dois novos links no "lugares interessantes pra ir". O CRÔNICAS URBANAS (http://cronicasurbanas.wordpress.com/) e o CÁGADO XADREZ (http://romacof.wordpress.com/). São ótimos. Tenho conversado com muita gente e estimulado a leitura de blogs, assim como a fazer comentários neles. O universo blogueiro vem sendo a melhor maneira de se fugir da vala comum pra onde a internet já vai rolando. São espaços ainda tomados da pureza intencional do seu autor, basta ler e fica na cara qual o interesse nada escondido em cada linha. Não tenho visto lugares cotidianos melhores para abrir e afinar o pensamento também. Alguém acha que isso é fácil encontrar na mídia comum?

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

MEMÓRIA DE UM HOMEM

O Arthur pediu pra eu arrumar um jeito de acessar mais fácil as postagens antigas... mas ainda nem deu tempo de ver como se faz, ou se tem jeito de fazer isso no blogspot. Então, na base do jeitinho, republico a postagem que gerou o assunto. Falávamos sobre "nas mãos de quem está a solução dos nossos problemas sociais..."

Quim Então (Quinhentão), Manoel Quintino – 87 anos. Escrivão aposentado por amnésia . Duas vezes prefeito de Ité.

Então... Primeiro eu comecei a esquecer de dar andamento aos processos... depois... depois... não lembro mais muito bem o que aconteceu...Mas lembro bem de algumas coisas e sei que esqueci quase todas as outras.
Então... como? ... pois é, o apelido é disso mesmo...Mas então... É interessante que não esqueci seletivamente coisas que me incomodavam. Eu lembro de muitas alegrias e lembro também do dia que minha esposa me pegou com a Judite, a irmão dela...(reflexão)... é, ser pego com a Judite não dá pra dizer que é uma lembrança ruim... como era gostosa a Judite!... ia lá em casa com aquelas saias plissadas e blusas soltas, sem sutiã... sempre quando Tereza tinha ido no mercado...
- Tereza saiu?Ah! Judite... derrubou molho de tomate na blusa e pediu pra eu ajudar a limpar... sem sutiã... nunca tinha tido nestas mãos carne tão tenra... nem estes lábios jamais beijarão mamilos tão róseos...
Então... Não, Judite já foi um lembrança ruim, no tempo em que eu pensava que ainda teria muitas Judites... só sobrou ela... até porque, se teve outras, acho que esqueci... ou só lembro de vez em quando...Tereza, que me ajudava a lembrar das coisas, morreu ano passado... ano passado? Que ano a gente ta mesmo, heim menino?O que a gente ta fazendo aqui mesmo? Como é....? Gravando uma entrevista... e por que você quer uma entrevista comigo? Eu fui alguém importante e não lembro mais?
Como? 2007... o que é 2007? Ah... ano 2007... Quem? Tereza? Quem é Tereza...?
Eu fui prefeito é?
Então... fui duas vezes prefeito e Tereza era minha esposa... é claro que eu lembro disso... lembro de muita coisa. Mas tem coisa que eu queria esquecer também...É por isso que você ta me entrevistando?
Meu filho, que é prefeito agora, pediu pra eu não dar mais entrevista, disse que eu to falando coisa que não podia... mas é bom ser lembrado... e ninguém acredita muito em velho mesmo...Quem? O quim... o meu neto? É Secretário de Cultura é?
Então... ainda vai ser prefeito...Como? Não tem faculdade?
E quando faculdade dá voto menino? Me diga se faculdade dá voto...quer que eu te conte o que dá voto?
Então... lembra das enchentes? É, faz tempo, mas isso eu lembro...Olha só... isso aqui onde a gente ta hoje era tudo água... muita gente ajudou.. eu vivia aparecendo de calça arregaçada ajudando gente... isso dá voto menino... levava uma criança no colo até um barco... carregava umas caixinhas de remédio no bolso...
E veio muita ajuda de fora, coisa que nem precisava, nem tinha onde guardar direito... ainda bem que meu irmão tinha um galpão. Veio um caminhão daquela fábrica de roupa.. a staroup, isso nunca esqueci... era roupa boa pra essa pobreza... calça, camisa, jaqueta... tudo jeans... ficou lá no galpão, não era bem isso que o povo tava precisando... ficou lá...
Então...(reflexão)Você pode imaginar o que isso deu de voto depois, heim menino? Deu muito voto... muito... e você acha que faculdade dá voto?
Então... faculdade é preciso... mas pra quem auxilia a gente... contador, advogado... esses são importantes mas não valem nada na urna... na urna vale uma carradinha de barro, uma ambulância na porta pra levar pro hospital... uma roupinha...
Então... pra que o Quim ia fazer faculdade? Se fizer é só pra pegar o diploma...Secretário do que ele é mesmo menino? Da cultura... da cultura é ruim, heim... cultura não da voto... tinha que ser da saúde... da educação... da educação dá muito voto menino...
Sabe o que eu fazia com as escolas pequenas da periferia? Eu não mandava giz... mas não era por maldade não menino, era estratégia... Então... daí o diretor ia lá na prefeitura reclamar e eu conversava com ele, na minha sala... Impressionava sabe... daí eu perguntava sobre os professores, de que partido eram, como estavam se comportando... só depois eu dava as caixinhas de giz... tinha todo mundo na rédea curta... bobeasse eu cortava...
Então... A Zizinha foi minha secretária de educação... carregava um monte de voto, aparecia em tudo, não acontecia nada sem que ela soubesse, tava sempre no meio do povo... a oposição falava que eu tinha um caso com ela... era bonita a Zizinha, mas a gente não tinha nada... nada importante, né menino... nada importante... e era fogosa a Zizinha... como era...Que pernas que tinha a Zizinha!
Então...

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

conspiração olímpica



Andei pensando. Salutar exercício. E como pensar em tanta coisa que nos chega aos ouvidos pela mídia deprime, andei ficcionando algumas coisas dessas que chegam pela mídia mesmo. Olimpíadas no Rio. Ainda não tenho tutano mental pra julgar se é bom ou ruim. Ou o que é bom ou ruim nisso. Vou ter que ler mais. Mas, no meio desse contexto, lembrei dos nossos bravos atletas apanhados no exame antidoping. Apanhados no treinamento, não foi numa competição. Não lembro de ter visto isso antes, mas minha memória não é tão de confiança. Foram denunciados. Estranho. Onde foi parar o fisiologista que indicou a droga como não sendo doping? Onde estão, na mídia, as declarações dele? Pouco tempo antes da escolha da cidade para 2016. Rio de Janeiro. Por que não se faz uma devassa nas contas desse fisiologista? Por que? Será que eu estou tentando relacionar essa atitude de serieade extrema da nossa pátria esportiva amada com a indicação da cidade sede? Será que estou ficcionando uma fantástica teoria da conspiração? Será que estou querendo dizer que foi tudo armação pra provar a nossa seriedade quanto aos esportes olímpicos, o que dignificaria ainda mais a escolha? Parece que ouvi falar que o fato pesou a favor. Parece. Será? É claro que não. Estou apenas ficcionando. Imagina se iam fazer isso com nossos inocentes atletas. Nunca!!! É só brincadeira gente. Brincadeira, só não sei com quem, mas é brincadeira.

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Pensar não dói, ou quase nada...

Faço um convite aos amigos para visitearem o blog PENSAR NÃO DÓI, do Arthur Golgo Lucas. http://arthur.bio.br/ Eu estava navegando pela net e acabei ancorando lá... ótimas idéias sobre assuntos muito pertinentes. Num comentário que fiz no seu blog, convidei-o a ler a matéria "cirurgião dentista ameaça a segurança nacional", aqui do meu blog. Estou tomando a liberdade de publicar aqui o comentário que ele fez. Quem lê-lo aqui já vai experimentando um pouco de seu pensamento.
Mauro:
A CF (Atr. 5° inciso I) diz que homens e mulheres são iguais em direitos e deveres, exceto nos casos previstos na própria CF. Mas as idades para aposentadoria são diferentes, as regras para pagamento de pensão para filhos e para filhas são diferentes, os períodos de licença legal ao ter um filho são diferentes, a obrigatoriedade de serviço militar é diferente e a lei que protege contra a violência doméstica foi redigida para proteger só um sexo. Todos são iguais perante a lei. Mas quem é heterossexual pode casar, adotar uma criança junto com o cônjuge, incluir o cônjuge como dependente em qualquer plano de saúde, na previdência e para efeito de impostos, compor renda para adquirir imóveis, etc., e a quem é homossexual todos estes direitos são negados.
A discriminação racial é crime inafiançável em nosso ordenamento jurídico. Mas discriminar racialmente os postulantes a vagas em instituições de ensino de nível superior e favorecer uma raça em detrimento de todas as demais tem sido praticado abertamente.
E tua achavas que teus direitos fundamentais garantidos na CF estavam hierarquicamente acima das ordens que o miliquinho estava obedecendo? :P Experimenta dizer "não saio daqui porcaria nenhuma, eu estou na frente da minha casa, não estou fazendo nada errado e não tenho que zanzar feito uma barata tonta para me adequar a uma exigência ridícula e ilegal". Tenta. :) Grande abraço!

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

PARECE

As coisas passam pelos meus olhos
Parece
Como sempre passaram
É o mundo que vejo
Como sempre vi
Eu acho
Sem espaço para profundas mudanças
E sinto
As coisas como sempre senti
Parece
Mesmo que a paixão não destrua a alma
Ou o ciúme degenere em mais uma solidão
Mas sinto com sentia
E vejo como via
Eu acho
Porém
Ah! Porém
Os espelhos
As fotos
Os filmes
As roupas
Os versos
Como contam uma história tão diferente de mim...

terça-feira, 25 de agosto de 2009

REDEL

Você tem certeza?
nota de esclarecimento nada literária

Resumindo:
No dia 08 de agosto, um sábado, a Grasiela comprou um sonhado carro novo. Tirou ele da concessionária as 10h da manhã e, as 14 horas, levou uma batida.
Estávamos estacionados (e dentro do carro) na rua D. Henrique, quase esquina com a Quinta Avenida, em BAlneário Camboriú, quando um carro da REDEL (serviços de internet), estacionado atrás do nosso, saiu imprudentemente para a rua e foi atingido por outro, prensando-o contra o da Grasi. Amassou desde o pára-choque traseiro até o dianteiro. E o carro estava com 38 km rodados.
Tudo bem, acidentes acontecem e, na maioria das vezes por alguma imprudência mesmo. Logo apareceu um outro funcionário da REDEL e, ao ver que a Grasi estava ligando para o seguro dela, nos pediu para que não o fizéssemos, pois ele acionaria o deles e seria melhor. Concordamos, pois isso é o habitual. Só que o dele era o Bradesco Seguros. (quem já lidou com o Bradesco Seguros, com certeza, já se arrepiou).
Na segunda pela manhã ela levou o carro para a Citroen e eu liguei para o gerente da REDEL, ou ao menos o cara que nos falaram ser o gerente, chamado Juliano, avisando que o carro já estava na oficina da agência, esperando o perito do seguro. Ainda expliquei que tínhamos uma viagem marcada, que era pra ser feita com aquele carro (que é mais espaçoso) e pedi para que fossem o mais ágeis possíveis no andamento dos trâmites normais, sendo que o tal Juliano me informou que iriam agilizar ao máximo o processo.
Bem, resumindo: o aviso de sinistro chegou ao seguro da REDEL na quarta-feira, dia 12, as 15:30h. Fiquei impressionado com a competência! Principalmente depois que tive que ir pessoalmente na REDEL e, infelizmente, “entornar o caldo” . Tive que falar grosso com quem não merecia, mero funcionário que o tal de Juliano preferiu que desse a cara pra bater, já que a dele deve ser muito preciosa, tanto quanto infantil.
No dia seguinte, quinta feira, fiquei mais de duas horas tentando informar o seguro Bradesco do sinistro (é, é isso mesmo, eles precisavam que eu também informasse). Passei por 4 atendentes de call center. Enfim, munido de muita paciência, consegui informar a seguradora do carro que bateu no nosso, que estava corretamente estacionado e foi atingido pelo carro segurado, que o nosso foi batido pelo carro que eles seguravam. Entenderam? Pois é, foi mais ou menos assim mesmo...
Resumindo: o perito do Bradesco foi lá na oficina na sexta-feira, dia 13, e, na outra quarta-feira, dia 19, fomos informados que este perito do Bradesco não liberou o serviço. Isso porque o motorista do carro da REDEL não estava habilitado para estar conduzindo o mesmo naquele momento.
Resumindo: A Grasi teve que acionar o seguro dela (felizmente um bom seguro, Allianz, até que se prove o contrário), mas, precisa passar por todo o processo de novo. O serviço na carro de 38 km dela ainda nem começou. A viagem com o carro espaçoso dançou. Estamos no dia 25 (o acidente foi dia 08). Mais nenhum contato da REDEL, como se o caso nem fosse com eles.
Então, resumindo, eu pergunto: você confiaria nessa empresa?
Olha o que está escrito no site deles:
“O que vêm a sua cabeça quando você ouve a palavra Internet? Para muitos, informação, para outros, trabalho, diversão, cultura e conhecimento. Para nós da Redel, a Internet Aproxima Pessoas , como nenhum outro meio de COMUNICAÇÃO, derrubando fronteiras e barreiras, com a liberdade de criar, se expressar e aparecer para o mundo, revelando maravilhas em pessoas comuns”
Que maravilha que revelaram em nós!
De nós eles não se aproximaram. Tiveram uma atitude de moleques, do começo ao fim. Será possível que eles não sabiam que o condutor estava irregular? Acho que se não soubessem, a credibilidade deles cairia ainda mais. Um exemplo claro de incompetência gestacional.
Essa nota desabafo só tem a intenção de alertar e usar o blog para protestar. Se esse é o padrão de procedimentos deles, não é confiável ter Redel em suas casas.
Resumindo: teremos que tomar as medidas necessárias. Caro Juliano, fique só pensando quais serão elas...

terça-feira, 28 de julho de 2009

desejos liquefeitos



Não esperem de mim nada além do que o pânico
por esperarem de mim mais do que consigo
Verte de mim apenas uma poesia bêbada
Versos trôpegos e ácidos
Por não serem melhores do que esperam que sejam
E o que escrevo parece nunca aprofundar mais
do que a pele dos sentimentos
Dos horrores
Dos lamaçais da alma
Não me chamem poeta
Não me esperem poeta
Contista ou romancista
Só escrevo porque o coração berra
As sensações de desejos liquefeitos
E só isso

segunda-feira, 6 de julho de 2009

o último abraço do tempo



e quando o tempo me der seu último abraço
e eu sentir seus braços frios me conduzindo os passos
vou lembrar do primeiro vento

que varre as folhas secas do outono

e deixarei que ele leve solidões e lágrimas minhas
antes que a doce morte me beije a face
e as solidões e lágrimas umedeçam seu beijo...
quero apenas lembrar da ternura de alguns abraços
e do riso distraído de meu filho
e das mãos que se soltaram das minhas
tantas, suaves como uma manhã que chega
com brisas cheirando terra e mato, e amor
e foram, na estrada onde eu não podia andar...

e vou buscar, com alguma alucinação poética
mas com infalível calma
nos dias que rapidamente ficaram distantes
os recados, os bilhetes, as pequenas coisas do gostar
muitas fotos e acasos, tantos acasos
que derramaram estrelas distraídas em meu caminho
e direi a cada nome de mulher que vi partir nesta estrada
que a amei como nenhum homem amaria
amei como um poeta em desalinho
por minutos ou na eternidade das horas
e a todas pedirei que não me esqueçam
quando a tarde encostar no ombro da noite seu cansaço
que lembrem de mim que amei o dia e a noite
o vento e a chuva que duplicava cidades nas ruas
e seus beijos, seus sutis esquecimentos
e suas lágrimas...
que me perdoem!
e vou partir
abrir no peito a porta do encantamento
e deixar que dele fujam os sonhos que não terminaram
ficaram pela metade
as vontades derramadas
as tristezas que escondi por serem só minhas
as estrelas que brilham no peito dos poetas
que nada valem
mas que me levarão em seu rastro de alegria
colorindo a morte com delicados tons de ironia
e me fazendo eterno
como tanto quis nos meus amores
sem nunca ter conseguido...

quinta-feira, 25 de junho de 2009

CPI DNIT

vem aí a CPI no DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura e Transporte)... sabem por que? O órgão gasta mais de 5 bilhões por ano e... e? Bem, basta ver como estão nossas estradas... pra onde vai esse dinheiro todo? Pra tapar buraco?

Pra quem não sabe, o DNIT substituiu o DNER (Departamento Nacional de Estradas de Rodagem)

Por que estou postando isso?

é só ler a postagem abaixo...

quarta-feira, 17 de junho de 2009

cidadania européia



É aquela história da primeira vez que a gente nunca esquece. Confesso que essa primeira vez não vai dar pra esquecer mesmo. Nestes primeiros dias, depois que voltamos de Paris, última cidade da viagem, me cobrei muito devido à sensação que me acompanhava. Algo meio parecido com uma falta não sei bem do quê, ou uma vaga espécie de depressão. Depressão pós viagem? Eu? Eu que sempre me achei assim tão brasileiro e me orgulhava da pátria amada? Eu que desprezava a arrogância européia, e ainda mais os brasileiros que se derretiam diante dos fascínios do primeiro mundo? Como eu poderia estar sentindo a falta de alguma coisa que ficou por lá? Mas estava. E não era só o fato de ficar 17 dias sem celular, longe dos problemas, das contas (que cresceram muito, é óbvio). Era alguma coisa a mais. Hoje descobri, e foi numa coisa tola. Eu estava parado na 470, indo para Rio do Sul trabalhar, num dos pontos em obras, quando uma camionete saiu da fila, se enfiou no meio dos carros, saiu lá na frente, e “se deu bem”. Logo liberou o trânsito e me vi numa fila interminável de carros em trânsito lento, pista simples, mal conservada. Caiu a ficha. (deputados e senadores não andam de carro em estradas assim, e nem mesmo de classe econômica nos vôos). Eu não estava sentido a falta só das coisas, das paisagens, dos bonjours, bonjornos, e dos vinhos. A falta maior era da cidadania.

É claro que 15 dias é pouco tempo pra considerações profundas, mas o que mais salta aos olhos na região que visitamos (Veneza, Florença, Siena, Menton, Aix en Provence, Avignon, Marselha e Paris, além das pequenas cidades onde passamos e não dormimos) é a notória consciência que o cidadão e o estado europeus têm de seus direitos e deveres. Em hipótese alguma são seres humanos melhores que nós. O europeu não costuma ser gentil, mas é educado. E é a educação, como sempre, o grande alicerce da cidadania. A criança de lá cresce habituada a não ter que dar um jeito fora do contexto pra se dar bem na vida. A cidadania segue uma regra, que passa por pagamentos de impostos e a óbvia retribuição do governo com escola de qualidade, saúde de qualidade, estradas e transporte de qualidade (as estradas pedagiadas sempre têm vicinais como opção para o mesmo percurso). Emprego e renda acaba sendo uma conseqüência de empenho e talento individual, mas ninguém pode reclamar da falta de oportunidade de desenvolver esse talento. Por lá o malandro que se dá bem é a exceção, o exemplo a não ser seguido, e chama a atenção. Por lá, se o malandro for apanhado, vai ser punido.

Na Itália estava tendo campanha política. Eleição não é mega-sena, corrida de cavalo ou partida de futebol, que se aposta pra ver quem vai ganhar. O cidadão educado vota com consciência. Seu voto está diretamente ligado ao seu grau de instrução, por que lhe é dado a possibilidade natural de ter um bom grau de instrução. O voto lá não é dependente de uma carrada de barro, uma sesta básica ou de uma bolsa família, imensa sementeira de votos e perpetuação “inteligente” no poder. Eu soube que somente 30% dos eleitores foram às urnas. Pode não ser bom para a democracia esse baixo índice de comparecimento, porém, ainda é muito melhor o voto não ser obrigatório. Existe democracia verdadeira com voto "obrigatório"?

Nós alugamos um carro em Florença e entregamos uma semana depois em Marselha. Fizemos mais de 1900 km. Nenhuma fechada, buzinada, reclamação, mesmo com o nosso andar ás vezes lento pra entender o caminho. Paramos em estacionamentos com parquímetro e sem guarda ou cancela. Quem quisesse pagar pagava, e todos pagavam. Pequenos exemplos.

Por aqui há tanta beleza também, ou mais. Mas não há cidadania. Não há escolas (minha maior decepção com o governo Lula). Não há acesso à escola. Não há estradas, transporte (perdemos milhões transportando de caminhão as safras por estradas sofríveis). Não há assistência eficiente á saúde. Não há segurança, nem justiça eficiente que se aplique aos delinqüentes de todos os níveis, eleitos ou não. Não há retorno aos mais de 5 meses por ano que trabalhamos para pagar impostos. Não há cidadania.
Programas sociais eleitoreiros mantam a fome, não incutem dignidade. Construir salas de aula não é política de escolaridade. Tapa buraco nas estradas não é reforma nos transportes. E o que falar da saúde? De onde vem o dinheiro para o europeu ter estrutura de vida proporcionada pelo estado? Com certeza não vem da corrupção. E eles pagam menos impostos que nós. Você acha que não? Então pense em proporcionalidade... quanto do imposto que pagamos reverte em benefícios sociais reais? Então? Quem paga mais imposto?

A lista de diferenças pode ser infindável e, se eu continuar a citá-las, vou ficar igual aos brazucas europatizados que eu sempre desprezei, e hoje chego a compreendê-los.

Muitos podem alegar que a riqueza deles começou com as caravelas de ouro e esmeraldas levadas do Brasil, ou que o protecionismo do governo ao produtor rural de lá aniquila o comércio de exportação dos emergentes. Que eles são arrogantes, insensíveis, prepotentes. Que são racistas, não tomam banho (e tomam pouco mesmo). Como eu disse, eles não são seres humanos melhores que nós, muito pelo contrário, mas são melhores educados, desde o começo. São cidadãos, nós não somos. Quem sabe um dia!

Ah! A foto lá do começo é de Iles Sur la Sorgue, conhecida como pequena Veneza francesa. Uma cidadezinha entrecortada por canais de águas limpíssimas e cheias de trutas, que são servidas em todos os muitos restaurantes. Um dia volto pra lá, e levo um caniço.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

tristeza


tem uma tristeza
de lágrima que ninguém vê
distraída
sem razão
que parece ter a ver com o coração
mas que é melhor não saber
melhor deixar ir ficando esquecida
uma vontade de ser tudo o que já se foi
e não ter o tempo que ainda vai ser

tem uma tristeza
assim meio sazonal
meio de ciclo, meio lua
mas que pula fases sem vir
e depois assusta
visceral, anônima, crua
sem aviso de chegada
sem hora pra partir

tem uma tristeza silenciosa
que corta minhas palavras ao meio
uma neblina de madrugada
escondendo o fim da rua
e as esquinas onde eu creio
deveria virar

tem uma tristeza escondida
em algum lugar
onde não quero encontrar

domingo, 3 de maio de 2009

Resposta Brilhante

Millôr Fernandes lançou um desafio através de uma pergunta:
- Qual a diferença entre Político e Ladrão ?
Chamou muita atenção a resposta enviada por um leitor :- Caro Millôr, após longa pesquisa cheguei a esta conclusão : a diferença entre o político e o ladrão é que um eu escolho, o outro me escolhe. Estou certo ? Fábio Viltrakis, Santos-SP.Eis a réplica do Millôr :- Puxa, Viltrakis, você é um gênio... Foi o único que conseguiu achar uma diferença !

terça-feira, 14 de abril de 2009

notícias sobre o Paris, setembro de 1793

o livro tá indo bem por aí... tem até comunidade no orkut. Uma amiga que estava em Cuiabá, foi comprar um livro pra dar de presente para a sobrinha e deu de cara com ele numa livraria de shopping. Tenho recebido e-mails de Fortaleza, Salvador... o ego literário anda meio inchado, confesso... Esses dias recebi uma planilha de vendas da editora, já passamos de 15 mil exemplares vendidos... Está indo bem, mas se você ainda não leu, leia... ajude um escritor ainda quase anônimo.

domingo, 5 de abril de 2009

segunda-feira, 16 de março de 2009

do livro Paris...


méritos

a noite passou e eu a vi inteira
a pior solidão é ver o tempo
sentei-me ao pé da porta de casa
já era dia
o tempo sentou-se ao meu lado
no jardim as flores eram flores
a chuva era chuva
tudo era o que tinha de ser
apenas eu era
o que merecia

terça-feira, 3 de março de 2009

ILHA DO MEL


aos poucos, bem aos poucos, a ilha vai se transformando... é claro que não me refiro ao tempo dos geradores e barquinhos de pescadores levando o pessoal. São novas pousadas sofisticadas (quem sabe um dia as mais antigas aprendam a diferença entre rústico e enjanbrado), novas construções, pulseirinha de turista e entrada mais cara, alguns blindex... tudo bem, é necessário, e essas modificações ainda não conseguiram ferir em nada sua magia, sua quietude, sua paz. A ilha continua linda e, mais que linda, com seu encanto sutil de drenar da nossa alma as tensões e cansaços... quem ainda não foi, vá, mas com profundo respeito.

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

CIRURGIÃO DENTISTA AMEAÇA A SEGURANÇA NACIONAL





Esta minha vida dividida entre literatura e odontologia me posiciona, muitas vezes, num meio termo entre o avoamento e os horários marcados. E neste espaço insólito me ocorrem situações tantas vezes recriminadas pelos perfeccionistas do tempo (que felizmente existem na luta contra o caos). Hoje pela manhã, 02 de fevereiro de 2009, segunda-feira, voltei do apartamento da praia da família da minha esposa, com ela e no carro dela, e esqueci a chave do meu carro lá (em Canasvieiras). Sei que muitos me olhariam de canto de olho e sobrancelha arqueada, mas...
Felizmente minha sogra ainda não tinha saído da praia e combinamos que eu esperaria na frente do prédio, onde ela obrigatoriamente passaria e, rapidamente, eu pegaria a chave. Horário: 10:45h. Local: Rua Bocaiúva. Temperatura: na casa dos 30°. De um lado da rua estreita, sol, do outro, sombra. Posso ser esquecido, mas não burro (ao menos acho que não), então esperei do outro lado, onde, por sinal, poderia ver melhor o carro dela chegando, para evitar o menor transtorno ao trânsito possível, se isso é realmente possível na rua Bocaiúva. Não me ocorreu nenhuma preocupação o fato de o “outro lado da rua” ser a calçada e o muro da Brigado do Supremo Exército Brasileiro, muito pelo contrário, senti-me amplamente protegido pelo respeito das fardas verdes que por ali transitam. Porém, para minha surpresa, cerca de 5 minutos depois de eu estar ali parado, na sombra, fui abordado por um soldado plenamente armado, do outro lado do muro, e aconteceu o seguinte brusco diálogo:
- Posso saber o que o senhor faz aí parado?
- Estou esperando minha sogra passar de carro para me entregar uma chave – respondi, achando naturalmente razoável minha explicação.
- O senhor não pode permanecer aí parado.
- Mas eu estou numa rua pública...
- O senhor está numa área militar... e aí o senhor não pode ficar parado.
- Mas, meu amigo, eu moro aqui na frente, sou dentista (creio que fiz bem em esconder minha faceta de escritor, uma vaga reminiscência passou arrepiando a pele da memória), pago meus impostos em dia e não vou permanecer parado aqui por mais de cinco minutos... do outro lado tem sol (entenda-se que do outro lado não é mais que 5 metros).
- Senhor, meu pai também é dentista, e eu estou apenas cumprindo ordens superiores. Aí onde o senhor está só é permitido passar caminhando. O senhor não pode ficar aí parado.
Achei curioso ele me informar que o pai dele também era dentista, mas só diante do inusitado da informação, pois dentista quase toda família tem um, ou alguns, hoje em dia. Também achei interessante ele se referir tanto ao fato de eu ficar parado, por isso perguntei:
- Ah! Então se eu estiver caminhando eu posso esperar minha sogra?
- Sim senhor. Caminhando pode.
- Não vou ser baleado por uma atitude insubmissa?
- Não, senhor.
Os próximos 5 minutos, ou um pouco mais (minha sogra é bastante cuidadosa no trânsito), passei caminhando lentamente, muito lentamente, na frente da brigada e tentando controlar aqueles ímpetos anárquicos que somente piorariam a situação. É claro que divaguei livremente, ao menos divagar se pode fazer andando ou parado, sobre um fato que eu não sabia sobre a nossa soberana democracia, tão bem protegida pelo exército brasileiro:
“temos liberdade constitucional de ir e vir... mas talvez não de ficar”
Na verdade, não quero discutir se eu tinha ou não direito de ficar ali parado (afinal, poderia ser um terrorista disfarçado de dentista bonzinho). Estou querendo é continuar refletindo, como naqueles tensos minutos em que eu andava lentamente, ao abrigo fresco das árvores que crescem além dos muros da brigada da rua Bocaiúva.
O episódio tem seu lado cômico, porém, muito mais profundo e perturbador é o seu lado trágico, e que me leva a perguntar: pra que serve o exército brasileiro? Não, esperem, não me venham com respostas prontas, pois as respostas prontas sempre só servem por um determinado período de tempo, depois caem, por que tudo muda o tempo todo. As sociedades mudam. O que eu quero saber é: pra que o exército brasileiro está servindo hoje, neste ano da graça de 2009, durante um regime democrático que tem manifestações que impressionam o mundo, e cacoetes da ditadura que chafurdam no atoleiro dos direitos humanos desprezados?
Se nem o grande patrimônio brasileiro, cobiçado por todos os países que eternamente invejam o nosso berço esplêndido, que é a Amazônia, não temos nem contingência, nem inteligência, suficiente para manter a salvaguardo dos interesses internacionais, em prol da nossa soberania, eu pergunto: pra que serve?
Fronteiras vazadas por drogas e armamentos. Centenas de ONGs internacionais surrupiando nossas riquezas e patenteando as heranças de Cabral. Então?
Daí eu vejo o índice de criminalidade, a marginalidade intumescida das grandes cidades, a baixa escolaridade, adolescentes com uma vida inútil de até 22 anos. Culpa de quem? É claro que a culpa é dos políticos, mas não é deles que estou refletindo aqui, até porque, se eu apresentasse esse problema ao famoso gênio da lâmpada, rapidamente ele falaria - o que é mesmo que você gostaria de fazer com o exército?
Então a culpa é do exército (e da marinha, e da aeronáutica, é óbvio).
Eu não tenho a menor dúvida que a única primeira medida de solução para os grandes problemas sociais brasileiros, é construir escolas e possibilitar o acesso à escola a toda população. Vejam bem: primeira medida. É claro que isso não dá voto, mas estamos falando em solução e não em tapeação.
Se o exército está vivendo de inércia e de abordar cirurgiões dentistas parados na frente de suas brigadas, por que não se investir em escolas militares gratuitas, que comecem a instrução desde a infância e ofereçam possibilidade de carreira?
Loucura? Loucura é o caminho que estamos indo, tentando nos desviar de balas perdidas, rios que transbordam e morros que caem. Podem argumentar que não seria possível devido aos custos. Mas quanto custa um detento aos cofres públicos? E um baleado num hospital público (coitado!)? E tantas outras despesas que pagamos para sustentar o caos, que só interessa a quem quer manter o povo alienado e sem tempo para refletir. Por sinal, vocês já perceberam que, normalmente, quem mais trabalha é quem mais teria condições de mudar a sociedade. É mais uma coisa pra se pensar.
Também podem falar que não é tradição, nem obrigação do exército essa medida. E daí? Quais as tradições brasileiras que têm trazido algum benefício social consistente? Imaginem o grande contingente humano encontrando, na defesa da pátria (e não estou falando em guerras), uma nova oportunidade social, desde as fronteiras até os profundos sertões do país, onde ainda se troca um voto por uma cesta básica ou algum medicamento de emergência. Desde o CINDACTA até a prevenção de enchentes e deslizamentos.

Você não ficaria feliz por saber que o seu dinheiro de impostos está tirando o bandido da rua antes que ele se torne bandido? Que o seu dinheiro está transformando um futuro marginal num cidadão com qualidade de vida e que vai lutar para melhorar a nossa qualidade de vida?
Por que não?
Como? Não é o exército que pode decidir sobre isso? Precisaria mudar a constituição? Ah! Precisaria dos políticos... Huumm, entendo... o gênio da lâmpada não vai topar essa. Pôxa, e pensar que eles se elegem com nossos votos...

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Quem Matou Jô Soares?



“Somos operários das letras
Somos construtores de idéias
palavra por palavra
Mas somos trabalhadores solitários
palavra por palavra
mestres-de-obras da ilusão
Construímos o edifício dos sonhos
sem ajudantes
como se assentássemos a palavra na linha de um verso
e tivéssemos que correr buscar outra
na pilha infindável da solidão
gênios invisíveis
almas esquecidas
antes mesmo de qualquer vagido
das suas vidas perdidas”.

A literatura é uma ocupação solitária.
Como não ter saudade das reuniões que precederam a semana de arte moderna? Ah! Bons tempos de 1922! Eu ainda estava muito longe de nascer, é claro, mas, um dos principais entretenimentos era ler. Complementando: ler livros, ou melhor, ler tudo o que os escritores escreviam. Como não ter saudade! Os bares e seus poetas declamadores, as poesias rabiscadas em pedaços de papéis e os olhos ávidos dos que queriam logo ler. As crônicas, os romances... os grandes rádios chiadores, os folhetins e panfletos... as máquinas de escrever... as máquinas de escrever! Bem, vantagens e desvantagens; quem pode ter saudade delas?
A literatura é uma ocupação solitária e os computadores, quase de uma hora para outra, nos roubaram os últimos aduladores. A internet é um livro interativo constantemente aberto, perfilando romances velozes e diários, constantemente mutáveis. Está cada vez mais difícil encontrar quem nos leia e, na minha roda de amigos, meus assuntos literários conseguem parcos cinco minutos de discussão, logo dissolvidos pela devassidão virtual, muito mais real que meus delírios poéticos. Ou pior, instala-se um silêncio constrangedor, como se todos esperassem por um acidente na esquina, um atropelamento ou coisa assim, para ter como mudar de assunto sem constrangimento.
Nem se deve falar da televisão, inimiga mais antiga e aliciadora cavilosa das mentes incautas, que se deixam obsedar pela facilidade das imagens em movimento e dos sons em aturdimento. Pra que pensar? Pra que imaginar? A televisão já traz tudo pronto! Vá lá, ela tem alguns méritos, mas poucos são literários.
Devo declarar que nada tenho contra o cinema, ao contrário, sempre foi um solidário amigo de todos nós, poetrizes, contrizes, romantrizes, cronizes... que nos vendemos tão fácil por um pouco de atenção, um carinho, mesmo que falso.

“Ainda não tive tempo de ler... você sabe com é, muita correria...”

Sei como é.
Embora a cela que me colocaram ser especial para quem tem curso superior, o cheiro só inspira poemas hepáticos e faz as horas serem lentas e pegajosas. De onde eu tirei “horas pegajosas”? Quem sabe um dia renda um belo poema! Será que alguém ainda acredita que sou inocente?

“Nossa! Teu livro é maravilhoso! Por que você não manda ele para o Jô? Ele devia te entrevistar...”
“Confesso que li só porque você é meu amigo, mas... não imaginava que você escrevia tão bem... Por que você não manda teu livro para o Jô?”
“Você sabia que eu também escrevo...”
“Você poderia me dar o e-mail da tua editora, tenho certeza que vão gostar do meu livro...”
“Eu também faço poesias...”

Será que um dia vão entender que fazer poesia não é o mesmo que ser poeta? Até porque, a poesia já está toda feita, não é preciso que ninguém a faça, apenas a revele. Poetas são os que sabem revelar poesias.
Um dia um amigo me contou que estava numa balada em Porto Alegre, conversando com uma loira bem transada no balcão do bar, quando perguntou o que ela fazia, e ouviu a memorável resposta:
- Di dia eu sou doméstica... di noite eu me didico à poesia...
Essas malditas horas pegajosas me fazem pensar tanto, relembrar, discutir, concluir, e não sair do lugar (é claro!). Como eu iria imaginar que alguém ia fazer isso? Por que fui escrever um livro com esse título? Como eu ia imaginar que logo no dia que fui ao programa...? Será que eu estava sendo seguido?

“nossa editora está com a linha editorial completa para este ano...”
“nossa editora está com a linha editorial completa para este ano e o próximo...”
“nossa editora está com a linha editorial completa para os próximos três anos...”

E ainda tem tanta gente que quer escrever seu livro, contando sua incrível vida, ou sua grande idéia de romance. E tantos vão conseguir e poluir um pouco mais as prateleiras das livrarias... Ah! Essas horas pegajosas estão me deixando cada vez mais amargo, ou azedo, ou os dois. Eu mesmo não fui um dos que poluíram estas prateleiras com uma edição comprada no primeiro livro?
QUEM MATOU JÔ SOARES? Que idéia brilhante! E agora espero minha advogada, que gostou muito dos meus livros anteriores, por sinal. Se ela já tivesse trazido meu note book escreveria um manifesto contra a televisão, a internet, os poetas... mas, quem iria ler? Só se fosse escrito por um conhecedor da Mona Lisa, por algum mago, ou uma socialite... quem sabe uma garota de programa? Quem sabe se eu escrevesse algum verso satânico? Ou então se eu escrevesse um manifesto na forma de auto-ajuda. Ou um manifesto porno-erótico...
Realmente, estou cada vez mais azedo!
- O senhor está preso... tem o direito de permanecer calado... tudo o que disser poderá ser usado no tribunal...
O sonho americano! Nem isso ouvi. Não se faz assim por aqui. Dormi livre e acordei prisioneiro... me tiraram da cama sem explicações. Só fui começar a entender pela tv da delegacia: em meia hora, duas chamadas extraordinárias falando da tentativa de assassinato do apresentador Jô Soares e do seu estado de saúde.
- O senhor é o autor do livro QUEM MATOU JÔ SOARES?
- Sim, sou o autor...
- O senhor esteve na gravação do programa do apresentador Jô Soares de ontem?
- Sim, estive...
- O senhor sabe que sua situação é bastante complicada?
Mostrei ao delegado as algemas do meu pulso. Tive até vontade de falar pra ele que a literatura é uma ocupação solitária, mas atrás dele eu vi os três livros do Jô e logo entendi que a minha situação era bem pior do que eu supunha.
- O senhor gosta dos livros dele? - perguntei, apontando os livros.
Ele ficou me olhando demoradamente antes de responder, como um bom investigador. Eu já havia lido sobre técnicas de investigação algumas vezes, quando escrevia um dos meus livros. Sabia o que ele estava pensando: eu respondera uma pergunta com outra e isso, na linguagem técnica, significava ganhar tempo pra procurar uma evasiva e podia começar a indicar um culpado.
- O senhor está pensando que eu posso ser culpado?
Nossa! Outra pergunta; a essa altura o delegado já deveria ter certeza que era eu, não podia perguntar mais.
- Normalmente eu não leio romances - comentou, reclinando-se na cadeira e colocando os pés sobre o canto da mesa, como se demonstrasse que estava muito seguro da situação, e eu, provavelmente já condenado. - Prefiro os livros técnicos - continuou - principalmente os criminalistas. Vou ler estes, e os seus, inclusive, para me ajudar a resolver este caso.
Realmente, eu estava numa situação muito delicada. Senti que ele esperou que eu fizesse uma nova pergunta, ou que tentasse desviar o curso da conversa. Naquele momento valeu-me também ter lido alguns livros técnicos, por isso falei:
- Respondendo a sua pergunta, gostaria de dizer que nem sei ao certo por que fui trazido aqui, mas não é difícil de perceber que estou numa situação delicada. Por isso, estou a disposição para fornecer todas as informações necessárias e poder ir embora logo.
Um ponto a meu favor, ou contra? O pensamento dele voava em alta velocidade. Investigava-me até a raiz dos cabelos; se pudesse, levantava e cheirava-me.
Pelo que entendi até agora, estou sendo acusado de atentar contra a vida do apresentador Jô Soares - continuei, tentando melhorar minha situação na mente do meu inquisidor.
- O senhor já disse que esteve na gravação do programa dele de ontem...
- Isso mesmo...
- E o senhor é o autor do livro QUEM MATOU JÔ SOARES, no qual relata a vida de um autor pouco conhecido, que resolve escrever um livro em que descreve a tentativa de homicídio deste mesmo apresentador, exclusivamente para promoção pessoal deste autor; ou seja, se aproveitar de uma situação provocada por ele próprio para ganhar notoriedade e... vender livros.
- Fico feliz por saber que o senhor delegado já leu meu livro - comentei sorrindo, o que o deixou bastante confuso. Havia desnorteado um pouco sua linha de raciocínio investigativo. O silêncio dele, enquanto me olhava, era barulhento. Havia levantado enquanto falava, mas agora se aproximava novamente da mesa, apoiava as duas mãos sobre elas, como se fosse um atleta pronto para os 100 metros rasos e me fuzilava com um olhar agudo. Depois de alguns segundos, perguntou, à queima roupa:
- O senhor tentou matar o apresentador Jô Soares?
Eu sabia o quanto era importante a minha resposta e, principalmente, que não podia demorar a dá-la. Tive a impressão que, no mesmo instante que sua última sílaba perdeu-se na atmosfera pesada da sua sala fumarenta, minha resposta explodiu:
- Claro que não!!!
Ele deixou cair a cabeça e ficou em silêncio. Parece que se escondeu de mim. Virou de costas e chamou um assistente para que me levasse ao meu destino fétido. Uma cama de ferro. Um banheiro com pia, chuveiro e patente, mas sem papel higiênico. Um sol se pondo. Uma frase escrita na parede, na cabeceira da cama: aqui ta muito melhor que lá fora!
Eu havia estado na gravação do programa na esperança de poder dar meu livro ao Jô. Pensava que o título poderia atraí-lo. Mas fiquei travado, o tempo todo. Ele chegou a vir perto, virei o livro pra ele, pensando que ele poderia ler e perguntar o que era. Seria tão mais fácil! Tenho certeza que ele olhou para o livro, mas não deve ter lido o título. É claro que não leu! Ficaria interessado, com certeza!
Naquele programa um Ministro da República, que ganhou dois blocos, falando de coisas que nunca aconteceram na política, como tráfico de influência e corrupção. Que chance o meu livro teria? Outro assunto novo na abertura: reinventaram o futebol... descobriram que o árbitro é ladrão! Que chance meu livro teria, diante de assuntos tão atuais e surpreendentes? Além do Ministro, uma modelo famosa. Que mais? O pior é que ela pensa em escrever um livro.
Minha advogada chegou quando começava a escurecer. Sentou na minha frente, esperou que o comissário saísse e perguntou, baixo:
- Você fez isso?
- Eu ainda nem sei direito do que estão me acusando...
- Aconteceu exatamente como está no seu livro... e você estava lá...
Como eu poderia imaginar que algum maluco ia ler meu livro e fazer o que ta escrito?
- Vai ser difícil convencer alguém disso.
- Eu não fiz nada... ou melhor, estou descobrindo que fiz, escrevi um roteiro para um crime... por falar nisso, como está o Jô?
- Como no livro... sobreviveu ao tranqüilizante... como você sabia quanto usar?
- Ele disse o peso numa entrevista, faz algum tempo. Calculei a quantidade suficiente para dopar um mamífero de peso equivalente... hei! Não me olhe assim! Isso não é uma confissão... estou falando sobre o livro... isso tá bem descrito no livro!
- Por que você levantou e saiu do programa antes de terminar?
Demorei a responder. Realmente não era uma resposta fácil e sabia que essa pergunta viria logo. Era perigoso tentar inventar, melhor falar a verdade:
- Precisava ir ao banheiro... estava com dor de barriga.
- O quê? E por que tinha que sair, não podia ir ao banheiro lá mesmo?
- Olha aqui, você é minha advogada faz tempo, mas isso não quer dizer que me conheça na intimidade. Eu não consigo fazer nada em banheiros públicos... mal um xixizinho. O que posso fazer se me deu cólica? Além do mais, naquela situação iam ter que interditar o banheiro depois... ia ser um vexame... acho que foi de nervosismo...
Ela me olhou significativamente. Era pior que o delegado, que não fez mais perguntas por ainda não estar totalmente informado sobre os detalhes. Ela estava.
- Se você não acredita em mim, melhor me indicar outra pessoa. Preciso de alguém que acredite na minha inocência. Preciso de alguém que me conte o que aconteceu de verdade. Invadiram minha casa e me carregaram; tive que passar por um batalhão de repórteres enlouquecidos; enfrentei um delegado metido a Sherlock; passei a tarde numa cama dura de uma cela fedida... e ainda não sei bem o que aconteceu. Você pode me contar?
- As câmaras mostraram quase tudo. Passamos a tarde assistindo as gravações. Quase o tempo todo você olhava para as câmaras, não se importava com o apresentador, como se estivesse estudando seus movimentos e seqüências. De repente levantou e saiu. Quase no mesmo instante um encapuzado vestindo uma longa túnica preta, que escondia todo o corpo, aparece na frente do apresentador e dispara... no lugar onde você estava encontraram seu livro... seu livro que descreve o crime, exatamente como aconteceu. Está nítido que foi premeditado.
- Mas, e a segurança? Como iam deixar passar um cara armado?
- Você ensinou com perfeição como fazer isso...
- A muleta de tubos de metal disfarçando uma arma?... mas isso prova minha inocência. Entrei lá andando sem muleta...
- Também queremos saber como fez isso...
- Eu não fiz isso!!
- Sua casa já foi toda revirada... realmente, não encontraram nenhuma pista... estão pedindo quebra de sigilo telefônico... levaram também teu micro... e vão fazer uma devassa nos teus e-mails... Ainda estão estudando as gravações, invertendo ângulos, fazendo aumentos e filtrando, melhorando a qualidade pra tentar encontrar algum detalhe que possa identificar o culpado.
- ...exatamente como descrevi no livro. O que mais aconteceu? Qual outra semelhança?
- Quatro editoras me ligaram hoje...
- Como assim? - Perguntei quando vi que ela não ia completar.
- Querem os direitos de publicação, para as futuras edições.
Eu sabia que não podia fazer aquela pergunta, mas meus olhos me delatavam. Por isso ela completou:
- Pagam bem mais do que você imagina. Bem mais do que você imaginou no livro. Emissoras de tv, revistas, jornais... querem comprar os direitos de uma entrevista exclusiva... tem um batalhão de repórteres lá fora... Seu plano tá dando certo.
Não repliquei, apenas a olhei com desaprovação, depois perguntei:
- Você vai me defender?
- Podemos alegar psicose...
- Inocência... e nada mais!
- Como no livro... exatamente como no livro...
- E você quer que eu diga que sou culpado por causa disso? Só pra ser diferente do livro? Nunca!! E foram cinco editoras que procuram o personagem do livro – reclamei, como se estivesse magoado.
Ela levantou para sair, sorriu para mim e falou:
- Seja como for, o caso é meu. Ou você acha que eu também não quero ficar famosa?...
- Precisa acreditar em mim.
- Você vai ter que me provar que está falando a verdade. Não esqueça que tudo, mas tudo mesmo, depõe contra você... e antes que você me pergunte, seu note book também está com a polícia.
- Quanto tempo vou ter que ficar aqui?
- Se eu me sair bem, uns cinco anos... como no livro, não lembra?
- Pare de gracinhas! Estou perguntando agora, não vou ter um habeas-corpus?
- Vou ver o que posso fazer, mas não espere muito.
Não aceitaram me entregar o note book, mas o delegado permitiu uma televisão. Sei o que ele pretendia: que eu assistisse os jornais. Eu era o principal assunto e na opinião geral eu era culpado. Numa chamada para um dos jornais noturnos a manchete era:
“HOMEM QUE TENTOU MATAR JÔ SOARES” AINDA NÃO DEU
DECLARAÇÕES À IMPRENSA
Já haviam me julgado, só faltava sair a condenação. A situação piorou muito perante a imprensa quando encontraram o capuz e a bengala num lixão perto da minha casa. Fui levado novamente ao delegado que, mais uma vez à queima roupa, falou:
- Não acredito que você fosse tão imbecil de se livrar das provas perto da tua casa...
- Isso apenas prova que alguém leu o meu livro e está fazendo como escrevi, pensando em me incriminar... eu seria um louco se fizesse isso. É claro que a culpa cairia em mim...
- Por que você escreveu esse livro?
Confesso que a pergunta foi inesperada. Ele estava mais solto, não me chamava mais de senhor e percebi que estava mesmo em dúvida. Apesar de saber que era perigoso, respondi com outra pergunta:
- O senhor sabia que a literatura é uma profissão solitária?
Ele não me respondeu, como eu esperava. Ficou me olhando, demoradamente, como eu esperava. Um minuto depois (uma eternidade se condensa num minuto com esse) ele abaixou os olhos e abriu sua gaveta, tirou uma pasta e, de dentro dela, um maço de papéis, depois falou, como eu jamais esperava:
- Esse é o meu terceiro livro. Ainda não publiquei nenhum...
Fiquei mudo. E se ele pedisse para eu ler e dar uma opinião? Fiquei totalmente mudo.
- ... mas jamais faria o que você fez para me promover.
O que ele queria dizer com aquilo? Estava falando sobre escrever um livro com segundas intenções, ou considerando que eu havia atirado no Jô? Precisava pensar na resposta, e rápido.
- Antes mesmo de tudo isso já havia me arrependido de ter escrito esse livro... mas o senhor não imagina quantas pessoas falaram que eu deveria mandar meus livros anteriores para o Jô... mesmo assim eu não devia. Sinto-me um traidor dos meus próprios princípios...
- Todos nós temos nossos vacilos... embora eu não concorde.
- Ao menos quem leu gostou...
- Sim, isso é bom, sempre é bom, apesar de tudo...
Ele estava solidário a mim. O que eu fazia agora: continuava no assunto do Jô, na ética literária, ou perguntava sobre seus livros? Era arriscado, mas era minha pele que estava em jogo e não podia deixar de contar com um aliado como esse. Arrisquei:
- Sobre o que o senhor escreve em seus livros?
- Não gosto muito de falar sobre o que escrevo... mas, como você vai ter tempo, vou deixar esses rascunhos com você... leia e me dê sua opinião.
Essas malditas horas pegajosas! O pior filme japonês da sessão da tarde era melhor, muito melhor, que o PENSAMENTOS SOBRE UM CRIME, do meu solitário companheiro das letras. E agora, em que encrenca fui me meter! Se eu falo a verdade, apodreço na cadeia. Se minto, vou ter que ler os outros dois. O que é pior?
Embora eu soubesse que vender a exclusividade da entrevista fosse uma ação perigosa, por ser como escrevi no livro, quando soube os valores que estavam oferecendo, não tive outra saída senão a que a cobiça me oferecia: aceitei a maior proposta.
Passei a tarde falando da minha vida, dos meus livros, das dificuldades de ser um autor não alcançado pela sorte. Falei muito sobre a dor que é saber que tem um bom trabalho escrito e ver tanta auto-ajuda nas prateleiras, tantos livros chatos vendendo, tantas celebridades turbinadas pela mídia fazendo sucesso literário, mesmo que por pouco tempo. Mas é claro que o que mais falei foi sobre QUEM MATOU JÔ SOARES, e respondi várias vezes, de diversas maneiras, que era inocente, que algum lunático havia lido o livro e resolveu fazer uma loucura. Fiquei com a sensação que não consegui convencer:
Depois que saíram, o delegado entrou. Sentou na minha frente e ficou me olhando. Eu sabia o que ele queria, era agora. Respirei fundo e apanhei o PENSAMENTOS SOBRE UM CRIME que estava na cabeceira do meu catre, depois sentei na frente dele, numa das cadeiras que foram colocadas para a entrevista. Foi impossível não pensar na inversão dos fatos: parecia que era ele que aguardava uma sentença de culpado ou inocente. Pensando nisso falei, olhando bem nos seus olhos:
- Culpado.
Seus olhos ficaram ariscos e dava pra ver seu pensamento correndo por todas as salas da inteligência, buscando informações para decifrar minha sentença. Ele não era fraco, entendeu o que eu quis dizer, diante da situação. Levantou e foi até a grade, apoiando as mãos sobre ela. Parecia estar perdido em pensamentos profundos. Sem virar-se, falou:
- Então... seria um crime publicar uma obra dessas?
- Um crime contra a literatura, como tantos outros...
Ele voltou a sentar na minha frente, apanhou seus originais do meu colo e esticou-se para trás na cadeira. Achei estranho, não parecia estar ofendido, mas sim satisfeito. Arrumou a arma que trazia presa ao corpo pelas tiras, quase nas costas, acomodou-se melhor na cadeira e falou:
- Não acredito que tenha sido você.
- Eu tenho certeza que não fui eu, mas... não era sobre isso que estávamos falando.
- Era sim. Mesmo sabendo que sua opinião poderia gerar uma antipatia comigo, não conseguiu mentir. O amor à arte foi mais forte. Você não seria capaz de executar o que escreveu em seu livro, apenas para se promover... seu livro é muito bom, por sinal...
- ... obrigado...
- ... se tentasse dizer que essa obra é boa, tentasse me enrolar... – falou, quase que para si mesmo. Depois ficou mais um tempo em silêncio, investigando mentalmente. Finalmente me olhou e completou: - Esse livro não é meu, não fui eu que escrevi. Recebi de um amigo que escreve e me pediu para avaliar... é péssimo! Nem sei como falo isso pra ele. Tive a idéia de entregar a você para medir sua capacidade de mentir. Parabéns! Você não é capaz de passar por cima da literatura pelos seus interesses.
Eu estava aturdido. Ele não era fraco. Era observador, realmente perspicaz.
- Você também é escritor? – perguntei.
- Por que está perguntando isso?
- Respondeu com outra pergunta... então é!
Ele riu da observação. Já éramos amigos, e o risco de eu ter que ler o que ele escrevia era óbvio. Na verdade eu estava até curioso. Não teve tempo de falar mais nada; um comissário apareceu e o chamou, parecendo ter pressa. Meia hora depois ele voltou, e com ele a minha advogada.
- Consegui teu habeas-corpus... você vai responder o processo em liberdade.
- Ora, ao menos uma boa notícia. Juro que pensei que não sairia mais daqui.
- Os técnicos encontraram um álibi forte nas gravações... filtraram e melhoraram as imagens e aparece um detalhe que você não previu no seu livro - completou com um sorriso. - Num aumento de imagem, num rápido movimento da túnica que escorrega até mostrar dois dedos, aparece um anel com uma pedra vermelha no dedo anular da mão direita. Nas imagens que mostram você, sua mão está limpa, sem nenhum anel. É claro que não é o suficiente, mas é um forte argumento...
- ... você poderia estar levando o anel no bolso - continuou o delegado - e ter feito isso de propósito, para criar um álibi. No entanto, nas imagens ficou bem claro que o aparecimento do anel foi acidental... não seria possível fazer aquele movimento com tanta precisão.
Alguns dias depois, hospedado num ótimo hotel para tentar fugir do cerco dos repórteres, já perto da meia noite, o telefone tocou. Era da recepção:
- Senhor... desculpe-me incomodá-lo, mas tenho uma encomenda urgente para o senhor. Posso mandar que entreguem?
Era um grande envelope e, dentro dele o ABSURDA MELODIA, do meu amigo delegado e, junto com ele, uma carta, ou um bilhete:
“ Espero que não interprete isso como uma tentativa de me aproveitar do seu atual sucesso. Afinal, você se transformou numa celebridade! Estou mandando esse original apenas por que gostei realmente do seu livro e, principalmente, por ter certeza que dirá a verdade sobre ele”.
ABSURDA MELODIA! Jamais esperaria um título assim vindo de um delegado. Ora, que preconceito! Os delegados também amam... e escrevem livros, como todo ser humano normal.
Da sacada do apartamento do hotel dava pra ver boa parte do centro da cidade. O hotel era caro, mas só o dinheiro da entrevista exclusiva já bancava, além de eu estar sendo procurado por tudo que é tipo de mídia. Eu não me iludia quanto ao interesse: não era por eu ser escritor, era apenas por um lapso de sorte. Também não me iludia pensando que o esgotamento rápido dos meus primeiros livros era somente pela qualidade deles.
Minha advogada, que logo virou minha empresária, fechou contrato com uma grande editora, com uma margem de lucro por exemplar acima da média. Fui contratado para escrever para um jornal famoso e a minha nova editora me tratava como um rei, para quem a linha editorial estava definitivamente aberta, por muitos anos. A grana que me propuseram para escrever a continuação do QUEM MATOU JÔ SOARES superava todas as minhas expectativas, bem acima do que eu havia escrito no livro.
Lá embaixo, nas ruas, centenas de escritores sem chance, frustrados, sufocados pelo negro e pesado manto do desinteresse geral pela literatura. Entre eles meu querido amigo delegado, que escrevia muito bem, por sinal. Levei seu ótimo ABSURDA MELODIA para a editora e até me propus a fazer a introdução, ou aparecer na capa se fosse preciso, mas a resposta foi curta, e grossa:
- Esse é o seu momento, não o dele!
Creio que o editor chefe não poderia ter resumido tão perfeitamente qual o interesse principal do mundo de negócios literários. Se as grandes editoras se prestassem a publicar um livro de um autor desconhecido de boa qualidade, a cada vinte de autores consagrados, as prateleiras das livrarias seriam muito mais ricas, muito menos poluídas. Mas, agora, ora... isso é problemas deles, os autores desconhecidos! Já não basta receber dezenas de pedidos semanais para avaliar originais?! Já não basta os montes de livros que chegam na minha casa, onde raramente apareço, vindos de todos os lados do Brasil?! Ora... será que querem que eu mande eles para o Jô?
Passado dois meses do incidente uma nova surpresa: a assessoria do Jô me ligou dizendo que me queriam no programa. Confesso que quase chorei. O passado se misturou com o presente de uma forma brusca e me causou estranheza: era como se fosse água e óleo tentando ter alguma afinidade.
Ganhei dois blocos no programa e, apesar das tantas brincadeiras, que eram inevitáveis (me fizeram até vestir uma túnica e um capuz), a minha maior felicidade foi quando me aplaudiram por criticar a situação da literatura no sistema de ensino regular: afinal, querer que um jovem adolescente se cative pela literatura lendo Machado de Assis, José Lins do Rego, Euclides da Cunha, Raul Pompéia, entre outros grandes escritores, por mais que sejam grandes, geniais, é matar a vontade enquanto ela ainda é broto.São autores de um outro tempo, que o leitor jovem tem que amadurecer, criar mais raízes, encorpar, pra poder gostar. Há uma vasta literatura moderna que seria a rega perfeita pra essas mentes incipientes, fartamente suscetíveis aos encantos da internet, do Ragnarok (um jogo baixado pela internet), dos modernos fliperamas... como querer que um jovem troque um orkut por um Machado de Assis?
Tenho certeza que a boa reação da platéia no fim da entrevista foi principalmente por causa disso. É claro que também me emocionei quando o Jô disse que gostou muito dos “meus” livros (até havia lido os outros). Disse que leu QUEM MATOU JÔ SOARES enquanto ainda estava de cama, depois do atentado.
Houve uma grande pressão da vontade pública sobre o meu julgamento. A minha inocência se transformara numa necessidade nacional, em prol dos ídolos e dos bons costumes, e isso tudo me fazia cada vez mais rico, obviamente.
Em pouco tempo eu já selecionava a mídia onde ia aparecer. Idos tempos de se agarrar à notinhas de rodapé. Mas o melhor mesmo da fama foi poder trazer a Luiza e o Lucas pra passar as férias comigo. Moravam com a mãe nos Estados Unidos e antes a grana não permitia isso. Agora é troco. A literatura não é mais uma profissão solitária... e o meu amigo delegado publicou seu livro. Por debaixo dos panos eu fiz contato com uma editora pequena e ele tá muito feliz, embora o ABSURDA MELODIA não esteja vendendo quase nada.
- Você podia tentar matar o presidente... depois escrever um livro...
Senti que ele ficou preocupado com a minha idéia ao telefone, principalmente pelo comentário que fez:
- ... ou escrever um livro sobre isso antes... e depois tentar...
Meu amigo delegado tinha uma mente brilhante e um raciocínio rápido, mas eu era inocente, não havia porque me preocupar. Mesmo que nunca tivessem encontrado mais nenhuma pista do verdadeiro criminoso.
Descemos para o litoral no fim de semana, eu, Lucas de quatorze anos e Luiza, de dez. Íamos ficar uns dias em Ilha Bela e depois seguiríamos para Paraty, onde, no fim de semana seguinte, aconteceria a Festa Literária de Paraty e eu era um dos convidados.
Será que a literatura é mesmo uma profissão solitária?

***

- Lucas, você não devia fazer isso! Papai não gosta nem que a gente use o note book e você vai desmontar ele...
- Não se preocupe, monto igualzinho antes dele voltar... eu nunca desmontei um desses...
- ... se ele descobre vai ficar maluco com a gente...
- Hei! Olha só o que achei aqui...
- Nossa! Que pedra linda! Mas, como é que um anel desses foi parar aí dentro?