quarta-feira, 17 de junho de 2009

cidadania européia



É aquela história da primeira vez que a gente nunca esquece. Confesso que essa primeira vez não vai dar pra esquecer mesmo. Nestes primeiros dias, depois que voltamos de Paris, última cidade da viagem, me cobrei muito devido à sensação que me acompanhava. Algo meio parecido com uma falta não sei bem do quê, ou uma vaga espécie de depressão. Depressão pós viagem? Eu? Eu que sempre me achei assim tão brasileiro e me orgulhava da pátria amada? Eu que desprezava a arrogância européia, e ainda mais os brasileiros que se derretiam diante dos fascínios do primeiro mundo? Como eu poderia estar sentindo a falta de alguma coisa que ficou por lá? Mas estava. E não era só o fato de ficar 17 dias sem celular, longe dos problemas, das contas (que cresceram muito, é óbvio). Era alguma coisa a mais. Hoje descobri, e foi numa coisa tola. Eu estava parado na 470, indo para Rio do Sul trabalhar, num dos pontos em obras, quando uma camionete saiu da fila, se enfiou no meio dos carros, saiu lá na frente, e “se deu bem”. Logo liberou o trânsito e me vi numa fila interminável de carros em trânsito lento, pista simples, mal conservada. Caiu a ficha. (deputados e senadores não andam de carro em estradas assim, e nem mesmo de classe econômica nos vôos). Eu não estava sentido a falta só das coisas, das paisagens, dos bonjours, bonjornos, e dos vinhos. A falta maior era da cidadania.

É claro que 15 dias é pouco tempo pra considerações profundas, mas o que mais salta aos olhos na região que visitamos (Veneza, Florença, Siena, Menton, Aix en Provence, Avignon, Marselha e Paris, além das pequenas cidades onde passamos e não dormimos) é a notória consciência que o cidadão e o estado europeus têm de seus direitos e deveres. Em hipótese alguma são seres humanos melhores que nós. O europeu não costuma ser gentil, mas é educado. E é a educação, como sempre, o grande alicerce da cidadania. A criança de lá cresce habituada a não ter que dar um jeito fora do contexto pra se dar bem na vida. A cidadania segue uma regra, que passa por pagamentos de impostos e a óbvia retribuição do governo com escola de qualidade, saúde de qualidade, estradas e transporte de qualidade (as estradas pedagiadas sempre têm vicinais como opção para o mesmo percurso). Emprego e renda acaba sendo uma conseqüência de empenho e talento individual, mas ninguém pode reclamar da falta de oportunidade de desenvolver esse talento. Por lá o malandro que se dá bem é a exceção, o exemplo a não ser seguido, e chama a atenção. Por lá, se o malandro for apanhado, vai ser punido.

Na Itália estava tendo campanha política. Eleição não é mega-sena, corrida de cavalo ou partida de futebol, que se aposta pra ver quem vai ganhar. O cidadão educado vota com consciência. Seu voto está diretamente ligado ao seu grau de instrução, por que lhe é dado a possibilidade natural de ter um bom grau de instrução. O voto lá não é dependente de uma carrada de barro, uma sesta básica ou de uma bolsa família, imensa sementeira de votos e perpetuação “inteligente” no poder. Eu soube que somente 30% dos eleitores foram às urnas. Pode não ser bom para a democracia esse baixo índice de comparecimento, porém, ainda é muito melhor o voto não ser obrigatório. Existe democracia verdadeira com voto "obrigatório"?

Nós alugamos um carro em Florença e entregamos uma semana depois em Marselha. Fizemos mais de 1900 km. Nenhuma fechada, buzinada, reclamação, mesmo com o nosso andar ás vezes lento pra entender o caminho. Paramos em estacionamentos com parquímetro e sem guarda ou cancela. Quem quisesse pagar pagava, e todos pagavam. Pequenos exemplos.

Por aqui há tanta beleza também, ou mais. Mas não há cidadania. Não há escolas (minha maior decepção com o governo Lula). Não há acesso à escola. Não há estradas, transporte (perdemos milhões transportando de caminhão as safras por estradas sofríveis). Não há assistência eficiente á saúde. Não há segurança, nem justiça eficiente que se aplique aos delinqüentes de todos os níveis, eleitos ou não. Não há retorno aos mais de 5 meses por ano que trabalhamos para pagar impostos. Não há cidadania.
Programas sociais eleitoreiros mantam a fome, não incutem dignidade. Construir salas de aula não é política de escolaridade. Tapa buraco nas estradas não é reforma nos transportes. E o que falar da saúde? De onde vem o dinheiro para o europeu ter estrutura de vida proporcionada pelo estado? Com certeza não vem da corrupção. E eles pagam menos impostos que nós. Você acha que não? Então pense em proporcionalidade... quanto do imposto que pagamos reverte em benefícios sociais reais? Então? Quem paga mais imposto?

A lista de diferenças pode ser infindável e, se eu continuar a citá-las, vou ficar igual aos brazucas europatizados que eu sempre desprezei, e hoje chego a compreendê-los.

Muitos podem alegar que a riqueza deles começou com as caravelas de ouro e esmeraldas levadas do Brasil, ou que o protecionismo do governo ao produtor rural de lá aniquila o comércio de exportação dos emergentes. Que eles são arrogantes, insensíveis, prepotentes. Que são racistas, não tomam banho (e tomam pouco mesmo). Como eu disse, eles não são seres humanos melhores que nós, muito pelo contrário, mas são melhores educados, desde o começo. São cidadãos, nós não somos. Quem sabe um dia!

Ah! A foto lá do começo é de Iles Sur la Sorgue, conhecida como pequena Veneza francesa. Uma cidadezinha entrecortada por canais de águas limpíssimas e cheias de trutas, que são servidas em todos os muitos restaurantes. Um dia volto pra lá, e levo um caniço.

4 comentários:

Sandra Knoll disse...

hahaha...leva o caniço!
Ah...nem quero falar das nossa políticas!

Hélio Jorge Cordeiro disse...

Tava demorando vir aqui, mas foi por causas justas, acredite.
O isolamento indignado de quando cheguei depois de 4 anos por aquelas bandas, foi o que me restou. Não agüentava mais ser confrontado com tantas diferenças quando aqui cheguei. Todo o santo dia, me sentia um sujeito inferior, mesmo sabendo que fazia parte de um grupo dito civilizado, ou, neo-civilizado, como queira. Comungo com você em tudo, ou quase tudo, que você acabou de externar. O que nos falta é apenas plena cidadania. Chego a triste conclusão de somos meios cidadãos, meu caro, Mauro. Quanto as trutas de lá, vou ter que me contentar com as tretas daqui mesmo, creio que por mais um tempinho, até ter uma grana pra voltar por aqueles lados de lá do atlântico.

Au revoir!

mauro camargo disse...

espero que as causas justas não sejam problemas em demasia...
pois é, caro amigo... te garanto que o brasil é assim pq a grande maioria dos brasileiros não sabem como é o jeito certo, e assim as tretas vão no lugar das trutas... fico imaginando a bondade inata do nosso povo moldada pelos padrões de disciplina européias... ninguém segurava a gente.
abraços

Vivis disse...

Meu amigo.... vejo que aproveitaram bastante.... só faltou Portugal ;)
beijoss