segunda-feira, 24 de maio de 2010

Benoît Mure e os tropeços da pesquisa

Algumas pessoas estranham que estou postando pouco no blog. Essas mesmas que a gente se surpreende quando sabe que nos lêem e não deixam comentários, por que não gostam, ou são tímidas para comentar. Então explico que não é apenas preguiça, embora também seja.
Estou escrevendo mais um romance para a editora Lachatre, passando períodos alternados do tempo, entre o agora e o século XIX, em Althen des Paludes, sul da França, Bruxelas, Calais e Curitiba, e estou esbarrando em entravos curiosos nas minhas pesquisas. O século XIX foi de transição de tecnologia. Por exemplo: por séculos a navegação foi com veleiros e remos. Mesmo que os desenhos das naves mudassem, a propulsão era essa. No século XIX aparece o motor a vapor e, como nos nossos tempos alguns já viam filmes em dvd enquanto outros ainda viam em vhs, naquele tempo muitos viajavam em barcos a vapor, outros em barcos mistos, outros em veleiros antigos. Mas o que dificulta isso no processo de pesquisa? Muito. Se eu disser que um personagem cruzou o atlântico em 1840, que tipo de barco ele usou? Parece simples mas não é.
Faz mais de um mês que estou procurando referências sobre o Eole, um barco francês que trouxe Benoît Mure para o Brasil, e encontro quase nada. Agora recebi um artigo do Arquivo Histórico Nacional contendo um estudo sobre os movimentos migratórios franceses para o Brasil, na esperança de encontrar alguma referência, e nada. Alguém pode dizer: passa por cima disso e conta tua história, afinal, você é um ficcionista. Tudo bem, até posso fazer isso, mas, vai perder muito do encanto e uma das partes fascinantes da ficção é essa aproximação com a realidade. Para poder se aproximar de alguma coisa, esta coisa tem que ter existido de fato. Do contrário fica vazio. Se alguém tiver alguma pista sobre o assunto, ficarei muito agradecido.
Benoît Mure era um médico homeopata e utopista, seguidor de Fourier.* François Marie Charles Fourier (Besançon, 7 de Abril de 1772Paris, 10 de Outubro de 1837) foi um socialista francês da primeira parte do século XIX, um dos pais do cooperativismo. Foi também um crítico ferino do economicismo e do capitalismo de sua época, e adversário da industrialização, da civilização urbana, do liberalismo e da família baseada no matrimônio e na monogamia.
O caráter jovial com que Fourier realizou algumas de suas críticas fez dele um dos grandes
satíricos de todos os tempos. Propôs a criação de unidades de produção e consumo - as falanges ou falanstérios - baseadas em uma forma de cooperativismo integral e auto-suficiente, assim como na livre perseguição do que chamava paixões individuais e seu desenvolvimento, o que constituiria um estado que chamava harmonia.

(wikipedia, mantive os sublinhados)

Veio para o Brasil com a intenção de criar um falanstério e o criou. O falanstério do Saí, em Santa Catarina, próximo a São Francisco do Sul. Por vários motivos não deu certo. Depois de fracassada a tentativa, Benoît voltou para o Rio de Janeiro e fundou o Instituto Homeopático do Brasil, já que era discípulo direto de Hahnemann.

Outra curiosidade na pesquisa: para dar um tiro em 1840 passei alguns dias pesquisando. Até aquela época as armas de fogo eram carregadas pelo cano, mas, neste período apareceram as armas com retrocarga (alimentadas pela culatra), e logo surgiu a espoleta de percussão. Num perído de aproximadamente 30 anos, muitos séculos foram engolidos.

Então é por isso que tenho postado menos. E se alguém tiver algum material sobre essa época, de qualquer natureza e que ache interessante, fico grato por me mandar.

6 comentários:

romacof disse...

Achei ótima, esta: "...embora também seja (preguiça)."
Sinto mas não sou a fonte esperada sobre o Benît Mure, embora tenha aprendido algo sobre a história e o historiar. Aos sessenta já encontrei várias citações históricas de um tempo em que eu-estava-lá-e-a-coisa-não-foi-bem-assim! Imagina se aumentarmos o intervalo. No momento em que você escreve sobre um fato histórico aquilo passa a ser história. Daqui a dois séculos alguém resolve escrever um romance histórico que envolve alguns aspectos da homeopatia no Brasil e esbarra na dificuldade de encontrar informações sobre a vinda de Benît Mure. Problema resolvido: ele encontra o livro de Mauro Camargo com tudo mastigado, segundo informação de ontem, obtida numa informação de antes de ontem, baseada numa nota copiada dos diários de 1800 e algo mais do filho de um dos colaboradores de Benît. Lembra dos monges copistas? Mesma técnica. Uma cópia levemente distorcida é a história. Se você não consegue ser um exegeta seja um historiador. Ou escreva um ótimo romance e deixe alguns detalhes do cenário para serem imaginados pelo leitor. Um abraço e tenha sucesso.

mauro camargo disse...

eu havia escrito no título Benît Mure e é Benoît... erro de digitação causada pelo avançado da hora. Está corrigido.
Tem toda razão, Romacof. BAsta ver o que os filmes históricos estão fazendo na cabeça das pessoas. Acho que deveria ser obrigatória e evidente a citação sobre a possível veradicidade do que se escreve ou projeta numa tela. Quando eu crio uma ficção histórica, tento usar a história real e deixo claro o que é ficção. Os historiadores romancistas, como o Bernardo Cornwell ou a Mary Stewart,por exemplo, escrevem um pósfacio sobre o que é ficção e o que é provável realidade. Veja que escrevo provável realidade pq vc está certo sobre a história ir mudando de acordo com cabeça do pescador que a conta, e aumenta, ou diminui, de acordo com seus interesses.

Anônimo disse...

ah, ontem eu postei um comentário enoooorme, o Virtua saiu do ar e lá se foi tudo! Ô revorta!

Mas eu estava falando que acho muito legal isso de pesquisar os fatos e detalhes com cuidado, mesmo quando se está fazendo ficção. Vi uma entrevista com a Barbara Cartland, na qual ela dizia que checava absolutamente tudo antes de escrever. Se a heroína da história (geralmente uma moçoila do século 19) ia de trem de Londres pra Oxford às 3 da tarde de uma quarta-feira, ela verificava antes se realmente existia um trem entre as duas cidades naquele dia e hora em 1875.

O Anthony Minghela, ao dirigir Cold Mountain, fez questão de 'encher' armários, gavetas e prateleiras com roupas, livros e utensílios de época, para que os atores realmente se sentissem no período da Guerra Civil. Acho isso o máximo.

Mônica

mauro camargo disse...

Monica, é isso mesmo. Se não for assim, a ficção começa a derivar para a realidade fantástica, esse gênero sim mais livre, mas desde que se deixe claro isso. A riqueza de detalhes reais faz a diferença e eu me sentiria muito mal se inventasse aleatoriamente. Ainda mais agora, que a virtualidade permite que a gente rode o mundo sem sair de casa, embora seja sempre muito importante confirmar cada informação adquirida. Como disse o Romacof, as coisas, com o tempo, acabam tendendo para a "parecença"

Helena Guerino disse...

Olá Mauro.
gostei muito do livro e dei vários exemplares para colegas homeopatas.
Tenho uma curiosidade e se puder me diga. Bento Mure formou-se médico em Montpellier? Pergunto porque li uma pequena biografia dele feita pela sua companheira no Egito, Sophie Liet (http://www.homeoint.org/seror/mure/bioliet.htm) e ela não menciona nada sobre Montpellier. Na sua pesquisa sobre Bento Mure o que achou?

mauro camargo disse...

Olá Helena... vou te dizer que não lembro disso. Estou viajando no momento por terras onde o Benoit tb andou fazendo das suas, mas, por isso, estou apenas com meu note book e é no micro de casa que tenho guardado mais arquivos sobre ele. No meio da semana já chego em casa e procuro esta informação. Se vc me passar um endereço de mail teu, te mando por ele... Obrigado pelos presentes que deu com meu livro.