Os versos de Deus nas estrelas
Uma tendência humana é criar
zonas de conforto. Bem, criar zonas de conforto é um princípio evolutivo, que
nos tirou das cavernas escuras e nos colocou em lares aquecidos, iluminados e
protegidos. Excetuando-se os estados mentais patológicos, ninguém começa um dia
querendo deliberadamente sofrer ou ser infeliz. Na nossa longa escalada
evolutiva, instinto e egoísmo se misturaram e se completaram, para que
pudéssemos superar obstáculos sem conta e, assim, ter as alegrias imediatas da
conservação de cada espécie a que já pertencemos.
Na fase evolutiva em que estamos,
com o instinto plenamente desenvolvido, o sentimento começa a se descortinar
como uma necessidade de manutenção da vida e fator fundamental para a evolução.
A manutenção da vida é o instinto primordial de todas as espécies e, por mais
que ainda vejamos tanta truculência e dor nas relações, é inegável que já se
começa a perceber que não há saída para a humanidade que não seja pelo
respeito, pela civilidade e pela empatia. E se não respeitarmos o meio
ambiente? E se continuarmos somente extraindo e poluindo? E se não respeitarmos
as diferentes culturas; as incontáveis diversidades? E se insistirmos na guerra? Qual a porcentagem
da população mundial que vê na guerra o caminho para a paz?
Em cada salto mínimo na escada
evolutiva, tão sutil que nem se pode perceber os degraus, um vilão perde a
força; um abraço salva vidas. Os malvados, os tiranos, os arrogantes, os
violentos, os mentirosos, cada vez mais se destacam fora do contexto
civilizatório de um mundo altamente interligado e de informações instantâneas.
Assim o ser humano vai aprendendo, muito pouco a pouco, a ler a imensa carta
escrita por Deus nas estrelas e que fala do drama existencial de todos nós. Uma
leitura difícil, mas que a cada dia mais pessoas conseguem aprender, quase que
inconscientemente, até mesmo imperceptivelmente. É como se estivéssemos
aprendendo outro idioma e nos deslumbrando por entender o que antes eram só sons
ou símbolos desconexos e incompreensíveis.
A carta que Deus escreveu nas
estrelas é a nossa vida, do mineral ao anjo. Por mais que ainda existam a
guerra e a fome, a posse inconsequente e a arbitrariedade, naturalmente a
humanidade entende que não há como retroceder; não há como evitar o anjo que
ainda seremos e que cresce irresistivelmente em cada um. Uma massa crítica se
forma e, na contagem de tempo da eternidade, a alegria vai substituindo a dor
da alma na medida em que aprendemos a valorar os bens adequados, a abandonar
ideias e apegos mais ligados ao instinto do que ao amor. Amor, bem se entenda,
de doação. Que nada pede, que nada espera, que tudo dá (mesmo sem deixar de ser
severo). Amor marcado na figura do Cristo, com seu exemplo divino de doação
pelo nosso crescimento.
Jesus é o responsável pela nossa
humanidade e os versos de Deus nas estrelas sobre ele falam somente de amor.
Amor de doação em todos os momentos em que esteve materialmente entre nós. Não
havendo no nosso tempo outro espírito desta grandeza, é natural que seu exemplo
seja único e perfeito. E nós, futuros anjos, mas ainda infinitamente distantes
dos cristos, que engatinhamos no processo de aprender a amar e a se doar, vemos
no Natal uma ocasião para celebrar a vida, o nascimento, os encontros, a
esperança, as alegrias, as memórias, a saudade, os presentes, as promessas
íntimas de sermos melhores.
Que tudo isso possa acontecer
neste Natal, mas que comecemos por lembrarmos de tantos e tantos e tantos que
não terão Natal, para que algum tipo de amor de doação possa percutir em nossa
alma. Tantos sem lares, tantos sem alimento, tantos sem apoio familiar, tantos
mergulhados em seus próprios abismos de solidão.
Que tudo isso possa acontecer
neste Natal, sem nos esquecermos que qualquer doação material que possamos dar
para quem precisa é insignificante diante da imensa corrente do bem que nossa
energia cria cada vez que queremos, de coração, ajudar. Dar presentes de Natal
pode ser uma leitura embrionária do amor de doação a que estamos destinados
quando o anjo em nós abrir suas asas, mas já um bom começo. Porém, muito além
dos presentes materiais, que possamos lembrar que somos filhos de Deus, iguais
em humanidade, nenhum mais, nenhum menos, apenas irmãos, somente irmãos,
eternamente irmãos, caminhando juntos nesta tão longa estrada evolutiva.
Que possamos lembrar que apenas o
amor é capaz de nos dar a verdadeira felicidade. E que as asas da bondade que
um dia teremos definitivamente já possam se agitar, começando por dar mais
valor a um abraço sincero do que a um presente material, e nos elevando acima
do que somos, para que possamos ter um Natal realmente de paz.
Que cada vez mais, a cada Natal,
a nossa zona de conforto, a nossa alegria mais imediata, possa ser o amor.
Feliz Natal.
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