quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

MEU PRIMEIRO CONTO DE NATAL




Natal de 1997 (O Desaparecido)


Engarrafamento!! Aqui nunca tem engarrafamento. Faz meia hora que estou tentando chegar em casa e não saio daqui. É sempre assim quando a gente está com pressa. Pressa? Eu não estou com pressa. Estou cansado, mas não estou com pressa... e nem faz meia hora que estou aqui... nem dez minutos... acho que cinco minutos. Só quero chegar em casa e dormir, apagar.


Amanhã ainda é segunda-feira. Por que fui sair da casa no domingo? Parece que todo mundo saiu de casa este domingo. Fim de semana que vem vou ficar em casa e descansar, é só disso que estou precisando agora...
Antes de dormir, tentei ordenar todos os problemas que queria resolver até o fim do ano e descobri que não conseguiria solucionar nem a metade. Devo confessar que me deixei invadir de tristezas, por trabalhar tanto e não conseguir, ao menos algum tempo de necessária paz. No meio desta tristeza lembrei de um hábito, há muito esquecido, e vasculhei, lá no fundo do peito, uma prece. Pedi a Deus, pois a ele só havia aprendido a pedir, que me mostrasse um caminho onde resolver minhas dificuldades e viver com um pouco mais de calma.
Pela manhã o sol se infiltrou pela fresta da cortina e me avisou que a chuva não veio. Quis até ficar alegre, mas descobri que já passava das 8:00 horas, dormi demais e tinha paciente marcado as 8:30...
— Olha, diz que vou atrasar uns minutinhos... é, mas chego logo...
Abri o portão da garagem e a luz do dia embaralhou, momentaneamente, a minha percepção das coisas. Saí lento, sem enxergar muito bem e, enquanto a visão ia voltando, vi que, do outro lado da rua, sentado no meio fio da calçada, havia um menino. Ainda não tinha visto aquele pelas redondezas.
Estava sozinho, descalço, com uma bermuda bem surrada e sem camisa. Com um canivete, empenhava-se em apontar um pedaço de madeira roliça, parecia um cabo de vassoura quebrado e tinha já, ao seu lado, mais dois pedaços apontados. Acostumei rápido com a claridade e fui embora, mas fiquei olhando pelo retrovisor o moleque brincando sozinho...
Lanças? Traves? Sei lá! Infância. Eu estava atrasado e tinha que correr, mas não conseguia, deixei-me levar na lembrança de um tempo que permiti escorregasse pelas frestas do destino, sem maiores registros. A paciente estava com a cara amarrada e o dia todo foi igual, como os outros... segunda-feira...
No outro dia acordei a tempo e percorri a rotina das minhas atitudes reflexas, até tirar meu carro para a rua. E lá estava ele de novo, agora no terreno baldio ao lado. Um tênis velho, uma bola velha, acho que a mesma bermuda. Nove anos, talvez dez. (Deve ter mudado pra cá por estes dias). Chutou a bola na parede e recebeu de volta, fez a ginga, driblou um provável zagueiro, rolou de lado e soltou a bomba... bomba mesmo! Passou por cima do muro e explodiu na parede de madeira da casa do fundo. Bola pra um lado, craque pra outro. Ficou atrás do pilar do estacionamento do prédio, olhando o que ia acontecer e eu fui embora, mais uma vez lento, navegando por tempos esquecidos, de campinhos de esquina e bolas furadas, vidraças quebradas, canela suja de terra e um tênis sempre por lavar.
Era terça-feira... Deus!! Terça-feira, 23 de dezembro. O Natal taí e hoje ainda vou trabalhar. Ano que vem não faço mais isso...
Quanto tempo faz que eu me perdi no caminho, pensando andar correto, que era assim mesmo que tinha que ser? Quanto tempo faz que eu caí neste funil de pressas e contas, e deixei de ver o sol amanhecendo nossas vontades de gostar da vida e, à tarde, ter a sensação que está tudo certo para a noite, está tudo certo para amanhã, indiferente de tudo que eu tenha pra fazer amanhã?
Quando foi que eu transformei vontades em hábitos, passíveis de serem trocados por necessidades, sempre mais importantes?
Lá estava ele na manhã de Quarta, com a cabeça quase encostada no chão, fazendo pontaria na peca mais perto. Atirou e bateu com a mão na terra, tomado de rápida irritação. Tinha errado, feio. Pegou a bolinha de novo e voltou à mesma posição... mais uma vez... outra ... acertou e socou duas vezes o ar.
Brincava sozinho e nem me notava, como se eu fosse mais um dos elementos dispensáveis da sua natural felicidade. Lá fui eu de novo, caminhar no tempo, como se eu pegasse aquele menino pela mão e ele fosse me mostrando alegrias esquecidas, por um caminho onde pensei que nunca mais passaria. Tinha desmarcado os pacientes e parei em frente à praia, deixei o relógio em casa e esqueci, por um dia, do tempo...
Um dia eu sei que quis tudo diferente, e pensei em amores e amigos como a base, o solo firme onde construir meu destino. Mas, o que eu fiz pelos amores e amigos, para que eles tivessem vontade de participar no meu destino? Hoje eu tenho amores? Quem sabe? Amigos? Acho que sim, mas eles têm a mim da mesma forma, ou sempre terei, antes, que cumprir todos os compromissos, pagar todas as contas e satisfazer minhas vontades, tantas vezes egoístas, tantas vezes inúteis? Quanto das minhas vontades foram inúteis e deixaram de lado amores e amigos?
Quinta-feira, 25 de dezembro. Embora a véspera tenha sido inesquecível e o teor alcoólico tenha passado um pouco da conta, lá estava eu, 8:00 horas, no portão, procurando o menino. Queria ver o brinquedo novo que ele deveria ter ganho de Natal, mas ele não estava.
Esperei um pouco, no Natal as crianças acordam e correm pra rua com os presentes novos, não custava esperar.
Fazia tempo que eu não sentia um Natal assim. Consegui ver as pessoas que passaram comigo, suas inseguranças e capacidades de errar e acertar, suas fraquezas e esperanças de alegria. Entendi pessoas que me irritaram um dia. Percebi que, tantas vezes, eu também devia tê-las irritado e me senti, quem sabe pela primeira vez, desde a infância, igual: anseios, necessidades e erros. Humanamente igual, como as crianças se sentem iguais e conseguem ser felizes.

***

Ele não veio aquela manhã, nem na outra. Perguntei pra toda a vizinhança por ele: ninguém sabia, nunca tinham visto, nem o zelador do prédio da frente, que conhecia todo mundo ali.
Por muitos dias acordei cedo, tentando encontrá-lo. Sumiu no dia de Natal e eu demorei a entender, mas, quando descobri seu paradeiro, agradeci a Deus, comovido, a singeleza com que atendeu minha prece, a prece que até tinha esquecido.
Eu não ia mais vê-lo, ali fora, na rua, ele tinha voltado à sua terra de origem. Tinha voltado pra dentro de mim... e, de dentro de mim, me apontava um caminho de paz.

8 comentários:

Anônimo disse...

MAGNÍFICO!!!


GRATA PELO PRESENTE.

BOAS FESTAS!!!!!

mauro camargo disse...

obrigado
boas festas em seu coração também.

Anônimo disse...

"O correr da vida embrulha tudo. A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem." (Guimarães Rosa, quem mais?)

Texto lindo o seu, Camargo! Obrigada por compartilhá-lo com todos nós.

Feliz Natal!
Mônica

Romacof disse...

Gostei! Obrigado por textualizá-lo! O menino poderia ter ficado trancado nas gavetas do "depois eu faço" mas o amigo lhe deu vida. Um Feliz Natal para você também!

mauro camargo disse...

obrigado amigos comentaristas... e coragem para vida...

Anônimo disse...

URGENTE!!!!

Procurem na net: CODEX ALIMENTARIUS....e repassem as informações ao maior número possível de pessoas.

Esse CODEX vai entrar em vigor em 1/01/10.

É IMPORTANTE E URGENTÍSSIMO.

gRATA.

BOAS FESTAS.

Anônimo disse...

Sabe que conheço bem este menino de outros natais? Cris... eu... Ah! deixa pra lá...

mauro camargo disse...

sobre o comentário acima: ?????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????...