Algumas pessoas falam em acreditar em Jesus. Acho estranho. É como dizer: você acredita no José? No João? Na Lucia? É estranho pensar em acreditar em Deus ou em Jesus. Um é criador, outro criatura, ambos existem, claros e óbvios como o outro dia virá. Seus atributos, ou poderes que atribuímos a eles, podem variar de acordo com as nossas necessidades. Ações de cada um são realmente discutíveis mas, ambos, não se acredita ou deixa de acreditar e sim se entende. Também não se aceita. Aceitar é compatível com fé cega, não raciocinada.
Eu tinha 10 anos quando ele disse, com lágrimas nos olhos:
- Agora seremos só nos dois... só nos dois... você tem que me ajudar - depois se ajoelhou na minha frente e por muito tempo fiquei sentindo seu corpo chacoalhar com os soluços que ele tentava conter. Coloquei minha mão nos seus cabelos e fiz um carinho, depois respondi:
- Eu vou te ajudar... vou estar sempre com você.
Eu tinha 10 anos e meu pai 34. Nem tinha como saber que estava mentindo. Precisei, ou julguei precisar, viver minha vida quase o tempo todo longe dele.
Uma semana antes do Natal minha mãe perguntou o que eu queria ganhar. Fiz uma lista. Dinheiro não faltava. Embora eu não soubesse a diferença entre ter mais ou menos dinheiro. Vídeo game, mochilas, tênis, bicicleta nova, celular. Você é muito novo pra isso! Patinete a motor. Ei! Já tá abusando! Pedi muita coisa. No dia do natal ganhei tudo, na verdade, um pouco mais.
Todo ano ela gostava de acender uma vela coruscante no alto do pinheiro enfeitado. Daquelas que vai queimando e soltando faíscas coloridas. Apagava a luz e deixava que as faíscas iluminassem a sala de ilusão de alegria. Todo ano ela fazia isso e eu gostava daquela pequena explosão de cores, até mais do que os presentes. Presentes eu podia ganhar qualquer dia, natal ou não. Tinha sido assim nos outros anos. Havia uma curta oração decorada pra desencargo de consciência e depois eles davam os presentes. Durante o dia davam presentes também para os empregados do condomínio, para a faxineira. Davam presentes maravilhosos para amigos e parentes. Davam dinheiro para amigos que tinham atividades sociais em abrigos, asilos, hospitais. Dinheiro! Como fica fácil fazer caridade! Nunca vi as crianças que eram ajudadas, nem os velhinhos, nem os doentes. Nunca soube que a vida toma rumos inesperados. Nunca vi a tristeza, ou alegria, ou revolta, ou esperança dos seus olhos. Eu estava aprendendo a acreditar em Jesus, em Deus, assim como meus pais, mas sem entendê-los.
O jantar de natal foi regado a vinhos, risos e desperdícios. A vida era uma esteira colorida que rolava por paisagens límpidas e sem dor. Eles eram bons, deram o que sabiam dar.
- Agora seremos só nos dois... só nos dois...
O semáforo fechou. A manhã do dia de natal estava calma e crianças brincavam com seus novos presentes. A rua estava quase sem nenhum movimento. Os dois conversavam sobre a viagem de janeiro. Eu vi aquele menino passar pelo lado do carro e parar na janela dele. Não podia ter mais de 15 anos. O vidro estava aberto. Achei que era uma brincadeira. Que a arma era um presente de natal que o menino havia ganhado na noite anterior. A carteira... a carteira, porra! Meu pai arrancou. Ouvi o barulho e vi ele se encolher, depois olhou para trás. Eu também olhei. O menino já não estava mais lá. Ele gritou. Foi um susto. Depois ele gritou de novo quando olhou para minha mãe e correu para o hospital gritando o nome dela, mas o tiro havia entrado pelo pescoço. Foi instantâneo. Eu tinha 10 anos e não sabia o que era dor.
- Agora seremos só nos dois.
Muitos dias depois entrei no meu quarto e os presentes estavam todos lá. Acharam que eu tinha enlouquecido. Coitadinho... mas é criança ainda, vai superar! Joguei tudo pela janela.
Tive muito ódio daquele Deus, daquele Jesus que diziam ter renascido no dia que minha mãe morrera. Por quê? A dor inesperada, de surpresa, quebrando todas as barreiras de vidro onde haviam me trancado, demorou muito a ensinar. No começo, apenas gerou revolta. Era o que eles haviam aprendido também e pensavam que agiam certo. Tenho a impressão que meu pai nunca se recuperou de fato. Vendeu a casa, perdeu o emprego. Tentou outro, e outro. A riqueza se foi. A dor veio de repente e ficou por muito tempo. Por muito tempo. Por todo o tempo em que odiei Deus e Jesus. Perdurou quando tentei acreditar neles novamente. Dizia a mim mesmo que acreditava, mas a dor permanecia. Então tentei provar que era tudo besteira. Que eles eram o ópio necessário dos infelizes. A dor continuava.
- Só nos dois.
Ele tinha razão. Todas as pessoas que se beneficiaram do seu dinheiro solto, na verdade, nem sabiam quem ele era. Todos os amigos que agiam no mesmo módulo de segurança existencial que ele, fizeram de conta que tentaram ajudar, para ter respaldo em se afastar sem culpa. Em muita gente a caridade é uma vaidade. Muita gente ajuda em troca de reconhecimento, bajulação, respaldo para fugas, sem que a consciência ligue os alarmes. Que grande engano! Um dia sempre a consciência dispara os alarmes, um por um.
Terminei a faculdade e fiz todas as pós graduações possíveis. Ele esteve sempre junto. Eu não estive sempre junto com ele. Havia mentido. O ódio era um escudo para minhas vaidades. A dor era um cobertor macio onde eu escondia meu egoísmo. No fundo eu o achava um fracassado, porque todas as minhas perdas passaram por ele.
Um dia meu filho me pediu uma bicicleta e minha esposa correu para a internet fazer uma busca de melhores preços. Dinheiro não sobrava como antes. Então, de repente percebi. A compreensão caiu sobre mim como uma tempestade súbita. Ele tinha 10 anos. Faltava uma semana para o natal e ele, mesmo que não tivesse todo o dinheiro que eu aos 10 anos, vivia cercado por muros de vidro fino, assim como acontecera comigo.
Eu estava de férias aquela semana. Pegamos sua bicicleta velha e reformamos, juntos. Depois fizemos uma devassa no seu quarto e reunimos uma grande caixa de brinquedos e roupas, dele, minhas, da mãe. Chamei meu pai e fomos juntos levar a bicicleta reformada num abrigo, assim como as roupas usadas e boas dele. Eu havia entrado em contato e sabia dos horários de visitas. Meu filho ficou lá, um bom tempo brincando com outros meninos, enquanto eu, meu pai e minha esposa conversávamos com a diretora sobre uma maneira de ajudarmos mais corriqueiramente. Fizemos o mesmo no asilo e levamos alguns presentes para crianças internadas no hospital, depois brincamos com elas.
Aprender é o caminho. Todos os fatos da vida acontecem numa sucessão ideal para o nosso aprendizado. Basta olhar para dentro e veremos o espelho onde se refletem as nossas principais dificuldades do lado de fora. Basta olhar para fora e nas dificuldades repetidas vamos encontrar nossos principais medos e defeitos. Aprender é o caminho, crescer a conseqüência. Como não entender que Deus fez assim? Que força maravilhosa é essa chamada Deus, que ordenou tudo com tamanha perfeição. Causa e efeito, consciência, ação e reação, destino. Como não perceber que Jesus tentou nos ensinar isso? Acreditar, somente? Não, entender.
Na noite de natal ele ganhou a bicicleta que havia pedido. É difícil mesmo dizer não para um filho. Porém, o maior presente quem ganhou fui eu. Ele me abraçou demoradamente, depois abraçou a mãe e o avô. Foi a primeira vez que fez isso. Eu ganhava abraços e abraços dos meus pais, mas não lembro de ter dado um sem que me pedissem. Havíamos começado a quebrar as barreiras de vidro. A bicicleta não era mais importante que a nossa presença.
Meu pai diminui a luz e pediu para que fizéssemos uma oração. Fiquei envergonhado. Nem sabia mais o que era isso. O ódio havia passado e eu começava a entendê-los, mas ainda não pensava em me comunicar com eles. Não foi nem a dor, nem o que aconteceu no final da oração que completou o entendimento. Não. Aquilo foi só mais um presente, uma visita. A vela acendeu no alto da árvore e, com suas luzes coruscantes, encheu de risos e lágrimas nossa noite de natal. Acendeu sozinha. Meu pai cobriu o rosto com as mãos e chorou. Meu filho e minha esposa ficaram me olhando, tentando entender que truque eu havia feito. Eu poderia ter dito a eles que o truque foi de Deus, quando criou todas as condições necessárias dentro da vida para que entendêssemos a vida, e Ele. Que aquela era sua obra. Eu poderia ter dito que o truque foi de Jesus, nosso irmão mais velho e que há tanto tempo vem nos mostrando caminhos para entendermos o Pai. Mas não disse nada. Agora eu havia entendido que haveria tempo para ele aprender e crescer, sabendo que os presentes materiais são alegrias passageiras, mas um abraço tomado de amor é eterno. Sabendo que ele aprenderia que a dor nos visita quando resistimos em aprender, ou modificar o que ainda temos de errado. Sabendo que assim, ele realmente jamais estaria sozinho.
Meu pai me abraçou com o rosto molhado de lágrimas, e falou no meu ouvido:
Eu tinha 10 anos quando ele disse, com lágrimas nos olhos:
- Agora seremos só nos dois... só nos dois... você tem que me ajudar - depois se ajoelhou na minha frente e por muito tempo fiquei sentindo seu corpo chacoalhar com os soluços que ele tentava conter. Coloquei minha mão nos seus cabelos e fiz um carinho, depois respondi:
- Eu vou te ajudar... vou estar sempre com você.
Eu tinha 10 anos e meu pai 34. Nem tinha como saber que estava mentindo. Precisei, ou julguei precisar, viver minha vida quase o tempo todo longe dele.
Uma semana antes do Natal minha mãe perguntou o que eu queria ganhar. Fiz uma lista. Dinheiro não faltava. Embora eu não soubesse a diferença entre ter mais ou menos dinheiro. Vídeo game, mochilas, tênis, bicicleta nova, celular. Você é muito novo pra isso! Patinete a motor. Ei! Já tá abusando! Pedi muita coisa. No dia do natal ganhei tudo, na verdade, um pouco mais.
Todo ano ela gostava de acender uma vela coruscante no alto do pinheiro enfeitado. Daquelas que vai queimando e soltando faíscas coloridas. Apagava a luz e deixava que as faíscas iluminassem a sala de ilusão de alegria. Todo ano ela fazia isso e eu gostava daquela pequena explosão de cores, até mais do que os presentes. Presentes eu podia ganhar qualquer dia, natal ou não. Tinha sido assim nos outros anos. Havia uma curta oração decorada pra desencargo de consciência e depois eles davam os presentes. Durante o dia davam presentes também para os empregados do condomínio, para a faxineira. Davam presentes maravilhosos para amigos e parentes. Davam dinheiro para amigos que tinham atividades sociais em abrigos, asilos, hospitais. Dinheiro! Como fica fácil fazer caridade! Nunca vi as crianças que eram ajudadas, nem os velhinhos, nem os doentes. Nunca soube que a vida toma rumos inesperados. Nunca vi a tristeza, ou alegria, ou revolta, ou esperança dos seus olhos. Eu estava aprendendo a acreditar em Jesus, em Deus, assim como meus pais, mas sem entendê-los.
O jantar de natal foi regado a vinhos, risos e desperdícios. A vida era uma esteira colorida que rolava por paisagens límpidas e sem dor. Eles eram bons, deram o que sabiam dar.
- Agora seremos só nos dois... só nos dois...
O semáforo fechou. A manhã do dia de natal estava calma e crianças brincavam com seus novos presentes. A rua estava quase sem nenhum movimento. Os dois conversavam sobre a viagem de janeiro. Eu vi aquele menino passar pelo lado do carro e parar na janela dele. Não podia ter mais de 15 anos. O vidro estava aberto. Achei que era uma brincadeira. Que a arma era um presente de natal que o menino havia ganhado na noite anterior. A carteira... a carteira, porra! Meu pai arrancou. Ouvi o barulho e vi ele se encolher, depois olhou para trás. Eu também olhei. O menino já não estava mais lá. Ele gritou. Foi um susto. Depois ele gritou de novo quando olhou para minha mãe e correu para o hospital gritando o nome dela, mas o tiro havia entrado pelo pescoço. Foi instantâneo. Eu tinha 10 anos e não sabia o que era dor.
- Agora seremos só nos dois.
Muitos dias depois entrei no meu quarto e os presentes estavam todos lá. Acharam que eu tinha enlouquecido. Coitadinho... mas é criança ainda, vai superar! Joguei tudo pela janela.
Tive muito ódio daquele Deus, daquele Jesus que diziam ter renascido no dia que minha mãe morrera. Por quê? A dor inesperada, de surpresa, quebrando todas as barreiras de vidro onde haviam me trancado, demorou muito a ensinar. No começo, apenas gerou revolta. Era o que eles haviam aprendido também e pensavam que agiam certo. Tenho a impressão que meu pai nunca se recuperou de fato. Vendeu a casa, perdeu o emprego. Tentou outro, e outro. A riqueza se foi. A dor veio de repente e ficou por muito tempo. Por muito tempo. Por todo o tempo em que odiei Deus e Jesus. Perdurou quando tentei acreditar neles novamente. Dizia a mim mesmo que acreditava, mas a dor permanecia. Então tentei provar que era tudo besteira. Que eles eram o ópio necessário dos infelizes. A dor continuava.
- Só nos dois.
Ele tinha razão. Todas as pessoas que se beneficiaram do seu dinheiro solto, na verdade, nem sabiam quem ele era. Todos os amigos que agiam no mesmo módulo de segurança existencial que ele, fizeram de conta que tentaram ajudar, para ter respaldo em se afastar sem culpa. Em muita gente a caridade é uma vaidade. Muita gente ajuda em troca de reconhecimento, bajulação, respaldo para fugas, sem que a consciência ligue os alarmes. Que grande engano! Um dia sempre a consciência dispara os alarmes, um por um.
Terminei a faculdade e fiz todas as pós graduações possíveis. Ele esteve sempre junto. Eu não estive sempre junto com ele. Havia mentido. O ódio era um escudo para minhas vaidades. A dor era um cobertor macio onde eu escondia meu egoísmo. No fundo eu o achava um fracassado, porque todas as minhas perdas passaram por ele.
Um dia meu filho me pediu uma bicicleta e minha esposa correu para a internet fazer uma busca de melhores preços. Dinheiro não sobrava como antes. Então, de repente percebi. A compreensão caiu sobre mim como uma tempestade súbita. Ele tinha 10 anos. Faltava uma semana para o natal e ele, mesmo que não tivesse todo o dinheiro que eu aos 10 anos, vivia cercado por muros de vidro fino, assim como acontecera comigo.
Eu estava de férias aquela semana. Pegamos sua bicicleta velha e reformamos, juntos. Depois fizemos uma devassa no seu quarto e reunimos uma grande caixa de brinquedos e roupas, dele, minhas, da mãe. Chamei meu pai e fomos juntos levar a bicicleta reformada num abrigo, assim como as roupas usadas e boas dele. Eu havia entrado em contato e sabia dos horários de visitas. Meu filho ficou lá, um bom tempo brincando com outros meninos, enquanto eu, meu pai e minha esposa conversávamos com a diretora sobre uma maneira de ajudarmos mais corriqueiramente. Fizemos o mesmo no asilo e levamos alguns presentes para crianças internadas no hospital, depois brincamos com elas.
Aprender é o caminho. Todos os fatos da vida acontecem numa sucessão ideal para o nosso aprendizado. Basta olhar para dentro e veremos o espelho onde se refletem as nossas principais dificuldades do lado de fora. Basta olhar para fora e nas dificuldades repetidas vamos encontrar nossos principais medos e defeitos. Aprender é o caminho, crescer a conseqüência. Como não entender que Deus fez assim? Que força maravilhosa é essa chamada Deus, que ordenou tudo com tamanha perfeição. Causa e efeito, consciência, ação e reação, destino. Como não perceber que Jesus tentou nos ensinar isso? Acreditar, somente? Não, entender.
Na noite de natal ele ganhou a bicicleta que havia pedido. É difícil mesmo dizer não para um filho. Porém, o maior presente quem ganhou fui eu. Ele me abraçou demoradamente, depois abraçou a mãe e o avô. Foi a primeira vez que fez isso. Eu ganhava abraços e abraços dos meus pais, mas não lembro de ter dado um sem que me pedissem. Havíamos começado a quebrar as barreiras de vidro. A bicicleta não era mais importante que a nossa presença.
Meu pai diminui a luz e pediu para que fizéssemos uma oração. Fiquei envergonhado. Nem sabia mais o que era isso. O ódio havia passado e eu começava a entendê-los, mas ainda não pensava em me comunicar com eles. Não foi nem a dor, nem o que aconteceu no final da oração que completou o entendimento. Não. Aquilo foi só mais um presente, uma visita. A vela acendeu no alto da árvore e, com suas luzes coruscantes, encheu de risos e lágrimas nossa noite de natal. Acendeu sozinha. Meu pai cobriu o rosto com as mãos e chorou. Meu filho e minha esposa ficaram me olhando, tentando entender que truque eu havia feito. Eu poderia ter dito a eles que o truque foi de Deus, quando criou todas as condições necessárias dentro da vida para que entendêssemos a vida, e Ele. Que aquela era sua obra. Eu poderia ter dito que o truque foi de Jesus, nosso irmão mais velho e que há tanto tempo vem nos mostrando caminhos para entendermos o Pai. Mas não disse nada. Agora eu havia entendido que haveria tempo para ele aprender e crescer, sabendo que os presentes materiais são alegrias passageiras, mas um abraço tomado de amor é eterno. Sabendo que ele aprenderia que a dor nos visita quando resistimos em aprender, ou modificar o que ainda temos de errado. Sabendo que assim, ele realmente jamais estaria sozinho.
Meu pai me abraçou com o rosto molhado de lágrimas, e falou no meu ouvido:
- Não seremos mais só nos dois, meu filho, não seremos mais...